Água e Tempo

Artigo 4, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jan 2006

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Acontece todos os dias.

Abrimos a torneira e lá está ela, a água verte para que dela façamos bom uso.  Damos um toque no interruptor e zás, o ambiente se ilumina.

Usamos o vaso sanitário, acionamos uma alavanca e, como num passe de mágica, nossos resíduos desaparecem.  Enfiamos todo o lixo num saco, botamos o saco lá na calçada, ouvimos o barulho do caminhão e a mágica se repete.

Às vezes, não.  Pensamos: que absurdo, que será que aconteceu agora?  Quem será o responsável pela incompetência!?

O fato cotidiano é que contamos com que haja água e luz à nossa disposição, damos por certo que elas estarão lá, pensamos nisto como um fato natural.

Na verdade, a imensa maioria (estou sendo conservador) das pessoas que já conheci têm esta perspectiva e esta atitude: dão como absolutamente natural que haja energia e água à disposição, afinal, “o mundo sempre foi e sempre será assim...”

É claro que também conheci muita gente para quem isto não é bem desta forma:  são pessoas que contam com muito pouco para viver e têm dificuldade para obter estes bens indispensáveis.  Uns poucos outros ainda são profissionais e pesquisadores que se dedicam de verdade ao assunto.

Nós brasileiros podemos nos considerar afortunados por habitarmos um país construído numa região particularmente favorecida de nosso planeta.  Temos água e em abundância, entre outros bens minerais (sim, a água é um bem mineral!), e devemos dar graças por isto.  Como decorrência, temos também certa facilidade em produzir energia elétrica.

O que pouquíssima gente consegue saber é que nem sempre esta parte do planeta a que nos acostumamos chamar de Brasil teve estas riquezas, menos ainda esta imensa riqueza em água.

Deixemos de lado, por um tempo, os demais bens minerais e concentremo-nos naquele que tem recebido pouca atenção, a água.

Você consegue imaginar o Brasil com um mar no interior, onde hoje situam-se vários estados, do Rio Grande do Sul a São Paulo?  Que tal outro mar ou desertos imensos abrangendo estados do Norte-Nordeste?  Que tal um Rio Amazonas correndo ao contrário?  E que tal uma imensa geleira bem perto daqui?  Água, água ou a falta de.

Fascinante, não?  Pode ser um consolo saber que nesses tempos ainda não estávamos por aqui e nem mesmo a humanidade caminhava sobre a Terra, embora inúmeras outras espécies o fizessem, como se estivessem preparando nossa chegada, um tempo imenso ainda a percorrer.

Mas outros tempos mais curtos e mais próximos são possíveis:  o clima por aqui já foi outro, bem mais seco, bem mais árido.  A água era escassa e não faz tanto tempo assim.

É fácil e é dramático:  imagine-se sem água.  Com sorte e sem outras fontes (como as frutas), conseguiríamos sobreviver por algo entre 15 e 30 dias.

Nos últimos 20 anos de consultoria a corporações eu dizia com freqüência:  antes a vida de uma pessoa era vista como um conjunto de fatos rapidamente projetados sobre um plano de fundo do mundo quase imutável; hoje dá-se o inverso, tudo muda muito rapidamente enquanto vivemos.

Logo, o mundo nem sempre foi assim e não há garantia alguma de que continuará a ser da maneira como o conhecemos.  Aliás, a única certeza que podemos ter é a de que ele continuará a mudar e mudar por muitíssimo tempo ainda.  O que nos cabe em larga medida escolher é se queremos de alguma forma continuar a fazer parte dele.

Caso venhamos a errar em nossa escolha, não haverá nova chance.