Conclusões (4): O Transcender

Artigo 38, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jul 2009

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Undécimo Capítulo: aprofundemos ainda nossas conclusões nesta jornada.

Nos últimos artigos tratamos do olhar para percebermos, do compreender para conhecermos, do agir para respondermos.

Penso que a esta altura o desafio está claro.  Em princípio, todos desejamos viver uma vida melhor; porém, sabemos que esta “vida melhor” não cairá dos céus, nem brotará espontaneamente do nada.

Quando aqui (distantes de previsões apocalípticas) tratamos dos grandes e pequenos problemas que vivemos individual, coletiva e planetariamente, cuidamos dos desafios de nossa era e do esgotado modelo civilizador a enfrentar, debruçamo-nos sobre o limite e o limiar.

Temos hoje à disposição os elementos básicos para agir: a necessidade está posta, a percepção desponta, o conhecimento é construído e há, sim, gente bem disposta em número suficiente, além da responsabilidade em fazê-lo.  O tempo urge, os meios existem.  Falta-nos nos entendermos e metermos mãos à obra; eis a crise e eis a oportunidade de superá-la.

Na busca de um bom entendimento, tenho aqui insistido na etimologia, o estudo da origem e da evolução das palavras até remontar ao étimo (do grego ‘étumon’, “o verdadeiro significado da palavra segundo sua origem”), a base para a formação de uma palavra.  Palavra é verbo e verbo é ação.

Procurei esmiuçar o limite (do latim ‘limes’, que é “fronteira”, mas também “caminho”) e o limiar (do latim ‘limiaris’, “soleira da porta”, “ponto de passagem”) para melhor podermos compreender o atual transe civilizatório (do latim ‘transire’, “passar de um lugar a outro”), o fim de um mundo e o nascer de outro.

Assim, minha quarta conclusão diz respeito ao Transcender.

Em nossa luta por uma vida e um mundo melhores, é necessário superar limitações e limites para erigir o novo, é necessário transcender (do latim ‘transcendere’, “passar subindo”, “atravessar”, “ultrapassar”, “transpor”).

Baruch de Spinoza (1632-1677, holandês), filósofo e fundador do criticismo bíblico moderno, recomenda “não rir, nem lamentar-se, nem odiar, mas compreender.”  Spinoza aponta-nos que ”a felicidade não é um prêmio da virtude, é a própria virtude” e que julgamos uma coisa boa não por julgamento, mas porque a desejamos.

Se de fato desejamos a “vida melhor”, não podemos esperá-la, temos que construí-la; e é necessário fazê-lo a partir do que temos ao nosso alcance, com os olhos no futuro, mas com os pés no presente.  Lembrando ainda uma vez Karl Marx (v. artigo Sustentabilidade e Cidadania, Ago 2008), “é preciso superarmos as ilusões para que alcancemos uma condição que não precise de ilusões”.

Como vimos, Einstein nos alerta para o fato de que “não podemos resolver problemas usando o mesmo tipo de pensamento que usamos quando os criamos...  Insanidade é fazer a mesma coisa uma e outra vez, esperando obter resultados diferentes.”

Nossa salvação não virá por meio das pseudo-soluções do sistema atual e seu projeto de sociedade, não por esta globalização de fancaria, este simulacro hipócrita, onde são maximizados o lucro, a exploração e a acumulação sem limites por parcelas ínfimas da população, que resultam afinal no esgotamento de tudo e de todos e onde só são socializados pela comunidade os previsíveis e cíclicos prejuízos (as crises), mas, sim, nossa redenção será possível por uma globalização de fato, mundialização onde sejam completamente universais os valores éticos da solidariedade, da sustentabilidade, da inclusão e emancipação social, em suma, a justiça social, a equidade.

Considerando a Teoria dos Sistemas (v. artigo Ambiente e Ecologia, Out 2006), que busca por olhar a totalidade, é possível perceber que vivemos um sistema que engendra-se organicamente e que lutará para perpetuar-se.  Todo sistema, uma vez implantado, passa a comportar-se como um organismo: lutará pela sua sobrevivência, de todas as maneiras.

Nas palavras de Moacir Gadotti (1941, brasileiro), filósofo, pedagogo, escritor e professor da USP, em seu livro Educar para a Sustentabilidade, para combatê-lo e superá-lo “trata-se de realçar o que temos em comum.  Se não tivermos nada em comum o que nos restará será a guerra [em qualquer uma de suas inúmeras formas].  Antes de realçarmos nossas diferenças precisamos realçar o que nos une, o que temos em comum como seres humanos.  Precisamos buscar o que é comum para a humanidade que está em todos nósToda e qualquer pessoa é igualmente responsável pela comunidade da Terra como um todo... Um novo modelo de desenvolvimento precisa de uma nova sustentação ética.”

Com ele concordo em que “está claro que entre sustentabilidade e capitalismo [aqui sintetizado pela predação da natureza, acumulação ilimitada e exploração do trabalho] existe uma incompatibilidade de princípios [e de práticas]... Desenvolvimento sustentável só tem sentido numa economia solidária” [aqui sintetizada pela solidariedade, sustentabilidade, inclusão e emancipação social], com a necessária desmercantilização do processo econômico, revertendo o curso já denunciado há 500 anos por Tomas Morus (v. artigo Democracia e Utopia, Fev 2009).

Concordo ainda que “a resposta parece vir hoje do fortalecimento do controle cidadão frente ao estado e ao mercado.  É a sociedade civil fortalecendo sua capacidade de governar-se e de criar mecanismos de gestão pública não-estatal; aqui, eis o papel importante da educação e da formação para a cidadania ativa...  Mudar o mundo é entender o poder como capacidade de fazer, como serviço, afirmando que ‘nós’ é que podemos mudar o mundo, nós, as ‘pessoas comuns’, temos a capacidade de mudar o mundo.”