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Conclusões (5): O Imaginar Artigo 39, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Ago 2009 © 2005-2018 Fabio Ortiz Jr |
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Undécimo Capítulo: agora para encerrar nossas conclusões nesta jornada de reflexões. Todo conhecimento científico é útil, fruto de uma construção árdua e perseverante; porém, mesmo esculpido em pedra, é também necessariamente transitório, pois que é uma nossa interpretação da realidade, ela em si mesma impermanente (ocioso dizer que o conhecimento não científico é ainda mais frágil, quando não mero preconceito e inútil). Pensando em educação, não haveria problema algum (mas há) em classificar as ciências em humanas, exatas ou biológicas: bastaria que o ponto de partida fosse o mesmo e o olhar não se perdesse na caminhada, limitando-se a ver cada vez menos. Podemos caminhar tranquilamente em direção às minúcias, desde que mantenhamos o olhar aberto às sínteses. Frank Herbert, já citado, diz em sua saga Duna (Os Hereges de Duna): “a maioria das disciplinas não se destina a liberar e sim a limitar. Não pergunte ‘por quê’. Seja cauteloso com o ‘como’. O ‘por quê’ conduz inexoravelmente ao paradoxo. O ‘como’ o aprisiona num universo de causa e efeito. Ambos negam o infinito”. Herbert sintetiza com grande precisão conceitos da Física Quântica e da Psicologia humana: “No nível do quantum [o ínfimo] nosso universo pode ser visualizado como um lugar indeterminado, estatisticamente previsível somente quando se empregam números suficientemente elevados. Entre este universo e um outro [o supremo], relativamente previsível, onde a passagem de um único planeta pode ser cronometrada em picossegundos, outras forças entram em ação. E no universo intermediário, onde se passam nossas vidas diárias, aquilo em que você acredita torna-se a força dominante. Suas crenças dirigem o desdobramento dos eventos diários. Se um número suficiente de pessoas acredita em alguma coisa, essa coisa passa a existir. A estrutura da crença cria um filtro através do qual o caos se transforma em ordem.” A natureza da realidade, esta impermanência, traz para nós seres humanos, principalmente os criados nos valores da cultura ocidental, um maldisfarçado desconforto, frequentemente uma angústia. Ressentimo-nos da aparente falta de chão, a falta de certezas e de ordem, precisamos ver pedras onde pisar. Bruno Latour (1947, francês), filósofo e sociólogo das ciências, (em Politiques de la Nature) crê que a questão principal é “então como pensar a política sem a natureza?” Em suas palavras, "é difícil divulgar a ciência porque [hoje voltada a servir ao capital] ela é planejada para alijar logo de cara a maioria das pessoas. Não espanta que professores, jornalistas e divulgadores encontremos tanta dificuldade quando tentamos trazer de volta os leitores excluídos." É preciso ter em mente que não é possível pensar política (“ciência dos negócios do Estado”, v. Cidadania e Democracia), não é possível pensar economia (“administração do lugar onde se vive”, v. Desenvolvimento e Sustentabilidade), e de resto qualquer atividade humana, sem levar em conta o fato de que somos uma espécie como qualquer outra, uma dentre os milhões ainda existentes (e rapidamente declinantes), produto e resultado de um longuíssimo processo natural de evolução e seleção. Não sabemos o grau de consciência (do latim “sciencia”, “conhecimento”, “saber”) que outras espécies têm, mas o fato é que atribuímos a nós mesmos um alto grau deste condão, o que nos tornaria, a nossos próprios olhos, a espécie “mais |
desenvolvida” na Terra. Posso apenas imaginar qual seria a opinião a nosso respeito, caso outras espécies tivessem se tornado conscientes de si mesmas... como o Homem de Neanderthal (H. neanderthalensis, v. A Percepção do Tempo). Relembremos Einstein a nos dizer que "em tempos de crise só a imaginação é mais importante que o conhecimento... a lógica o levará de A a B, mas a imaginação o levará a qualquer lugar.” Assim, minha quinta conclusão diz respeito ao Imaginar, para termos a liberdade de ir a qualquer lugar. Reconheço abençoados os que navegam pela incerteza, pois dela é feito o caminho para o conhecimento. Em suas reflexões, Einstein nos remete à “alegria de contemplar e de compreender, eis a linguagem a que a natureza me incita.” Sabemos hoje que, desde que surgiu, há cerca de 4 bilhões de anos, a Vida tem uma preciosa regra: alimentar a diversidade para enfrentar a adversidade. É assim que ela foi capaz de atravessar eras, bilhões de anos em que foi testada ao extremo, superando mudanças e crises ambientais não apenas regionais, mas planetárias. Há pelo menos nove eventos globais de extinção razoavelmente conhecidos, cinco deles intensos, sendo que três foram extremados (em dois, cerca de 70% da diversidade desapareceu; noutro, 90%). No entanto, a Vida tem se mostrado de tal forma resiliente (em Latim, “resilire” é “voltar”, “relançar”) que vejo-me tentado pelo pensamento de que, dadas as condições, ela não apenas é possível, ela é inevitável. A Ciência talvez um dia nos traga esta resposta. Há inúmeros obstáculos a superar, tanto aqueles que os desafios naturais da vida nos colocam, como aqueles que nossa estupidez egocêntrica, como indivíduos e como sociedade, nos cria. Se de fato queremos superá-los e se temos isto como objetivo, para além de reconhecê-los com ciência (olhar, compreender, agir, transcender), é preciso também imaginar todas as possíveis soluções, “audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”, não importa quão árdua ou hercúlea pareça a jornada para romper o ciclo vicioso nos dois pontos citados. Como nos disse Henry Ford (1863-1947, estadunidense), inventor e empresário criador da linha de montagem, “os obstáculos são aquelas coisas terríveis que você vê quando desvia os olhos do seu objetivo.” Com frequência dedico-me a superar desafios por meio de um exercício prévio: imaginar a coisa resolvida e então fazer o caminho de volta até o agora. Viajo ao futuro e vivencio a situação desejada, saboreio a conquista; daí, passo a passo, percorro o caminho de volta até a presente condição. E então recomeço minha jornada em direção ao futuro, um dia após o outro. Muitas vezes me senti saltando do avião sem um paraquedas; mas aprendi a não me esquecer de levar comigo agulha e linha... É como nos diz Ray Bradbury (1920, estadunidense), escritor: “Primeiro você salta do penhasco e, na descida, constrói suas asas.” E também Carl Sagan (1934-1996, estadunidense), astrônomo, escritor, em sua obra Contato, pelo pai da personagem Eleanor Arroway: “Small steps, Ellie, small steps... [pequenos passos, filha, pequenos passos]”. Imaginar é um exercício de esperança; e, como bem nos lembra Eduardo Galeano: “Há um pecado que não merece perdão: aquele contra a esperança.” |
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