Desenvolvimento e Sustentabilidade (1)

Artigo 24, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Mai 2008

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Capítulo Sete: tratemos então de Desenvolvimento e Sustentabilidade.  É preciso fazê-lo com o espírito aberto, pois é aqui que o drama humano aflora completamente.

A humanidade em geral (com a honrosa exceção de alguns poucos povos) tem na prática uma relação estranha com o entorno.  Concentra-se em focalizar a terra e a sua posse, estabelecendo um estranho conceito de propriedade.

Não pensa nas águas e nem no ar; não se vê, por exemplo, alguém procurando adquirir um lote de mar ou de atmosfera (em artigos futuros procurarei mostrar a importância extrema do mar e da atmosfera).  No entanto terra, água e ar são elementos essenciais para a imensa maioria das formas de vida existentes, entre elas, nós.

A relação com os rios costuma ser pior, pois frequentemente eles são vistos e utilizados como esgoto, uma espécie de “lixeiro natural” no lugar do caminhão de coleta.

Não foram poucas as vezes em que ouvimos a afirmação “Esta terra é minha e faço dela o que bem quiser!”.  Presunçosa e arrogante, ela é duplamente equivocada, pois na realidade nem a terra “é minha” e menos ainda “faço dela o que bem entender”; também demonstra que o dono da afirmação esbanja desconhecimento ou está disposto a afrontar a lei, a Constituição, os princípios fundamentais do Direito, a mais alta filosofia social e as regras do bem viver e do bom senso.  Não é pouca coisa.

A Constituição Federal do Brasil, fruto da memorável Assembléia Constituinte de 1988, diz em seu capítulo VI, artigo 225:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Sabemos perfeitamente bem agora que o suporte composto pelas terras, as águas e a atmosfera e suas relações com a vida, em resumo, a biosfera, é a única casa, abrigo e sustento de toda a vida conhecida, constituindo assim um sistema único que articula um amplo conjunto de sistemas (v. Ambiente e Ecologia, Dez 2006).

Um dos inúmeros esforços para tornar público o conhecimento do dramático dilema vivido pela humanidade de hoje foi o relatório, publicado em 1987, conhecido como Informe Bruntland.

Patrocinado pela ONU (no PNUMA, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o estudo foi coordenado por Gro Harlem Bruntland (norueguesa, 1939, várias vezes chefe de governo da Noruega) e teve como principal autor o canadense Jim McNeill.

Apresentado com o título Nosso Futuro Comum, assim definiu “desenvolvimento sustentável”:

aquele desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem colocar em perigo a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas.

Cerca de dez anos mais tarde, quem examinasse alguns documentos do nosso Ministério da Educação (o MEC), encontraria, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (as balizas para a educação no Brasil) o seguinte:

“...alternativas que conciliem, na prática, a conservação da natureza com a qualidade de vida das populações que dependem dessa natureza.

Com a constatação dessa inevitável interferência que uma nação exerce sobre outra através das ações relacionadas ao meio ambiente, a questão ambiental torna-se internacional.  Portanto, ao lado da chamada “globalização econômica”, assiste-se à globalização dos problemas ambientais, o que obriga os países a negociar, a legislar de forma a que os direitos e os interesses de cada nação possam ser minimamente limitados em função do interesse maior da humanidade e do planeta.  A ética entre as nações e os povos deve passar então a incorporar novas exigências com base numa percepção de mundo em que as ações sejam consideradas em suas conseqüências mais amplas, tanto no espaço quanto no tempo.  Não é só o crime ou a guerra que ameaçam a vida, mas também a forma como se gera, se distribui e se usa a riqueza, a forma como se trata a natureza.

Um importante passo foi dado com a Constituição de 1988, quando a Educação Ambiental se tornou exigência constitucional a ser garantida pelos governos federal, estaduais e municipais (artigo 225, § 1º, VI).”

Entendemos então que desenvolvimento, logo, sustentabilidade, pressupõe inteligência (‘interleggere’ significa  ‘ler nas entrelinhas’, do ponto de vista psicanalítico) para buscar compreender tudo o que está em jogo.  E inteligência, no caso, anda de braço dado com o senso de responsabilidade.

Onde está, então, o problema?

Comecemos por um dado estarrecedor, divulgado neste Maio de 2008 pelo IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (fundação pública federal vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República): mais de 75% da riqueza nacional está concentrada nas mãos de 10% da população.

O quê, mais exatamente, isto significa?  Nos próximos artigos continuaremos a levantar o véu.