Desenvolvimento e Sustentabilidade (2)

Artigo 25, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jun 2008

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Capítulo Sete: continuemos a tratar da relação entre Desenvolvimento e Sustentabilidade.

Nos artigos anteriores desvelamos a abordagem concentradora praticada, numa atitude predatória e inconseqüente, por quase toda a humanidade na ocupação dos espaços físicos e sociais.

Observemos os organismos existentes na natureza e as relações que estabelecem com o entorno.  Sempre há trocas: alimento, excreções, interações com outros organismos, abrigo, reprodução, tudo é concatenado na busca por subsistência e perpetuação.

Em princípio, esse esforço tem objetivo individual, mas a evolução da vida na Terra pacientemente forjou um complexo conjunto de interdependências tais que nenhum organismo obtém êxito sozinho.  É o que poeticamente chamamos de teia da vida.

Na natureza não vemos organismos acumulando excessivamente os meios necessários à sua subsistência, seja alimento, abrigo ou instrumento para sua obtenção.  Penso que o mesmo vale para estruturas mais complexas, como os sistemas.

Há sempre a tendência a uma forma de equilíbrio ao longo do tempo, seja para o indivíduo, seja para as coletividades ou entre as coletividades.  É claro que, dado o tempo suficiente, tudo muda e se transforma, mas em geral os processos todos convergem para uma estabilidade dinâmica e a vida prossegue.  Ou não, em certos casos, pois as espécies ou indivíduos que não conseguem alcançar equilíbrio ou responder às mudanças (sejam abruptas ou graduais) são eliminados.

Nesse sentido a humanidade tem remado há milênios contra a maré.

Enquanto era caçadora-coletora, poderia ser vista como apenas mais uma peça do tabuleiro vital.  Entretanto, suas características genéticas, aliadas a uma trégua ambiental proporcionada pelo planeta, propiciaram-lhe um rápido e incontrolável, digamos, desenvolvimento.

Desde que começou a existir como Homo sapiens, nos últimos 150 mil anos, a humanidade quase foi extinta por pelo menos duas vezes, restando extremamente reduzida em número e diversidade (como vimos, as demais humanidades o foram).  Porém, fruto de seu engenho e também do acaso, não só sobreviveu: espalhou-se por toda a Terra, inventando a agricultura, saltando de alguns milhares para os atuais quase 7 bilhões de seres.

Por meio da agricultura e do pastoreio, produziu excedentes alimentares, multiplicou-se e concentrou-se, passou a organizar-se em cidades.  Nesse processo de milhares de anos, foi aceleradamente ocupando todos os espaços e devastando o tênue equilíbrio oferecido pela trégua ambiental do planeta.

Aí também, em todas as épocas, indivíduos e grupos organizaram-se para controlar a posse e o fluxo dos excedentes e, no limite, da própria produção.  Estava

criada assim a casta dos acumuladores, os que, por um ou outro motivo, guardam ou detêm a posse de mais do que necessitam para uso próprio.  Incompetentes ou oportunistas, essa casta quase nada cria ou produz: estabelecendo relações de poder ou domínio, apenas acumulam e controlam.

Tanto quanto nos é dado saber, apenas a nossa, dentre os milhões de espécies ainda existentes, assim procede, rompendo desta forma o precário equilíbrio entre existência, trocas e perpetuação.

No caso humano, a rigor todas as trocas que efetuamos constituem aquilo a que chamamos de economia.

Os registros da história da vida na Terra são pródigos em nos mostrar que todas as vezes que um organismo, uma coletividade ou uma espécie tirou dos finitos recursos do planeta mais do que seu ambiente conseguia recompor, o desastre foi inevitável.

Considerando que o mesmo vale para os ditos acumuladores humanos, então o nosso sistema de trocas, a nossa organização social, enfim, nossa economia, têm sido equivocados há milênios; e nos últimos séculos têm sido desastrosos, agora globalmente desastrosos.

Esse modelo, já com um excesso de população mundial ao lado de um evidente esgotamento dos recursos naturais, está falido; apenas cresceremos até o esgotamento final.  Se serviu para nos trazer até aqui (e a que custo!), não serve para nos conduzir a um porto seguro.

O pacífico e libertador Mahatma Gandhi (1869-1948), ao ser perguntado sobre os planos de desenvolvimento para a Índia recém-libertada do domínio inglês, respondeu prontamente: “A Inglaterra, que é um país minúsculo, teve que invadir e dominar metade do mundo para se tornar o que ela é hoje.  Quantos planetas nós precisaremos para desenvolver a Índia?

Certa vez ouvi esta saborosa expressão, vinda de alguém que criticava a avidez com que indivíduos e castas sociais acumulam doentiamente riquezas: “Para quê?  Caixão não tem gaveta!?”.

Bem, os antigos faraós pensavam que sim: construíam pirâmides, túmulos em que se encerravam com suas riquezas acumuladas, seus criados e escravos, sua família e suas ilusões de uma riqueza no além.  Historicamente, aceitamos isto como uma manifestação cultural antiga.

Hoje, para as nossas castas de acumuladores, o diagnóstico é de retenção doentia, uma espécie de “obesidade social”.

Penso então ter esclarecido um tanto o significado e o efeito do fato de mais de 75% da riqueza nacional estar concentrada nas mãos de 10% da população.  Com números um pouco diferentes, o modelo repete-se mundo afora.

No próximo artigo concluiremos esta reflexão.