Eleições Recentes e Catástrofes Climáticas (1)

Artigo 56, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jan 2011

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Neste início de ano e de década (já a segunda deste acelerado terceiro milênio), na dúvida entre tratar das recentes eleições ou das “catástrofes climáticas” em curso (as aspas são propositais), abordarei a ambas e algumas de suas relações.

Como vimos no artigo Nova Jornada: uma Espécie de Vida Efêmera (Fev 2010), o novelo dos fatos da realidade pode ser seguido e desfeito por qualquer uma de suas pontas aparentes; isto será melhor compreendido pela releitura dos artigos Educação e Ambientalismo (Jan 2008), Democracia e Utopia (Dez 2008), Conclusões: O Compreender (Mai 2009) e Uma Síntese Necessária (Nov/Dez 2009).

Analistas vários indicaram que estas eleições não foram decididas já no 1° turno pela conjunção de dois fatores: primeiro, na falta de empolgação com seu candidato principal, a ‘direita’ procurava em desespero qualquer alternativa que aglutinasse eleitores suficientes para adiar a decisão; segundo, encontrou-a.

A dois meses do pleito, trocando impressões com um bom amigo (por sinal, tucano), disse-me ele resignado que tudo parecia já decido por um só turno a favor de Dilma.  “Talvez, meu amigo, parece... mas, francamente, no Brasil destas décadas prefiro que haja dois turnos”, respondi para sua surpresa, pois sabe-me petista histórico.

Expliquei-lhe que via registrar-se nestas eleições gerais talvez o mais baixo nível de campanha que já pude presenciar em 45 anos de vida política, um verdadeiro desserviço à democracia: perfídia, calúnia, injúria, mentira, falsificação, mistificação.

No furor exasperado por deter uma sólida marcha na reconquista de nossos melhores valores, acelerada nestes últimos 8 anos, a tudo se recorreu: sem proposta política palpável na direção do bem-estar da população brasileira como um todo, sobraram à candidatura de Serra (este alçado a expoente da “nova” direita pelo formidável conluio do que de pior há nas forças retrógradas em nosso país e fora ele) o recurso à fabricação de “fatos” (os factóides) destinados a iludir, o apelo aos instintos mais baixos dos descontentes ou carentes, a exploração de todos os preconceitos possíveis, a soberba prática da esquizofrenia.

Foi-se o tempo, aliás um breve período, em que na grande mídia (emissoras de rádio e TV e os jornalões impressos) havia espaço para jornalistas capazes, com formação, vivência e liberdade suficientes para os fatos e as análises dignas, independentemente à sua preferência política (já que, desde sempre, neutralidade é um mito).

A grande mídia, bem se sabe, é dominada há décadas por cerca de cinco “famílias”, uma decorrência da ditadura civil-militar.  Erradicada a possibilidade de jornalismo crítico e independente (os dignos jornalistas que ali restaram apenas emprestam alguma credibilidade para que sejam satisfeitas as aparências), tratou-se sem descanso exclusivamente da defesa dos próprios negócios.  Só mesmo a famosa ‘velhinha de Taubaté’ de Luis Fernando Veríssimo ainda acredita que exista no país grande mídia destinada a bem informar e servir à população: trata-se de empresas, hoje grandes conglomerados, destinadas a dar lucro não apenas formalmente para si, mas para todos os grandes interesses a que estão atreladas (algum problema com lucro?  Não, mas disto trataremos noutro dia).  Os serviços que prestam, fazem-nos a si mesmas; não informam, reproduzem apenas o que lhes interessa e na forma e “conteúdo” que lhes convêm: mentem, difamam, mistificam.  Vêem-se acima de tudo e de todos, sem poder constituído que lhes freie seu modo de proceder; quando um poder qualquer de nossa precária república procura uma

maneira de lhes regulamentar as atividades (o que de resto significa apenas cumprir o que determina nossa Constituição), de pronto se insurgem bradando pela “democracia” (na verdade, o seu modo de ver a democracia) e a “liberdade de imprensa” (na verdade, a sua licenciosidade no exercício da mentira), ali apontando com fúria intenções golpistas.

O jornalista Paulo Henrique Amorim, que trabalhou nestas grandes empresas e é, portanto, conhecido da maioria dos brasileiros, ao interpretar os interesses e ações da grande mídia principalmente em períodos de eleições, cunhou um termo de conhecimento geral: demonstrando que essas corporações procuram governar nosso país impondo-nos o que ver, o que pensar e o que fazer, assumindo na prática a postura de um partido político (e dos piores), apelidou-as, em seu conjunto, de Partido da Imprensa Golpista, o PIG (não por acaso, em Inglês “pig” é porco, suíno.  Em tempo: o termo PIG é  na verdade criação de Fernando Ferro, deputado federal pelo PT em Pernambuco.  Amorim emprestou-lhe fluência geral).

O PIG, com seu ‘espírito de porco’ (segundo o Dic. Houaiss, “aquele que interfere no sentido de criar embaraços ou de agravar situações por si sós difíceis”), no que toca aos interesses da população como um todo, age como um ‘espírito das trevas’, defende-se e aos seus com ‘espírito de corpo’, busca iludir e explorar as pessoas de ‘espírito fraco ou rude’, golpeia pessoas e não lhes reconhece o direito à defesa (o direito de resposta previsto em lei), golpeia propostas e projetos, golpeia instituições.  Se há hoje um inimigo real e íntimo de nossa precária democracia, ele é o PIG; como a Máfia, nada pessoal, apenas negócios.

Na defesa intransigente do aprofundamento da democracia, onde quer que seja, para que superemos esta difícil etapa de nossa emancipação enquanto indivíduos, cidadãos, nação e como espécie, é preciso ‘abrir o espírito’, ter ‘espírito prático’, ‘espírito forte’ e cultivar o ‘espírito público’.

Montado como foi o circo da mistificação pela mídia de sempre, restou-nos (salvo a abençoada Internet de Tim Berners Lee, de que tratarei um dia destes) o famigerado horário eleitoral, janela para candidatos e candidatas apresentarem suas propostas e projetos, se possível.

Assim, sobre o porquê de preferir uma decisão em 2º turno, penso que sou grato à oportunidade reforçada de se apresentar, ainda que de forma precária e engessada, o que está em jogo e quais as escolhas, a chance de escancarar a todos quem é quem e o que representa.

Ela será ruim se tornar-se dicotômica (em Grego, “dikhotomía” é “divisão em duas partes iguais”) ou maniqueísta (em Latim, “manichaei” eram os “maniqueus, hereges sectários de Mani, que acreditavam na existência de dois princípios, o do bem e o do mal”).  A realidade não é dicotômica e nem maniqueísta, o mundo não é constituído como se só existissem branco e preto, como convém à turma do PIG nos fazer acreditar por meio de sua propaganda e de seus pretensos e falsos debates.  A realidade é plena de cores e cabe-nos saber distingui-las mesmo no escuro.

Nos limites da articulação, mal ajambrada, entre liberdade e responsabilidade que caracteriza nossa situação atual, Lula em campanha foi preciso e profuso como sempre: “o que está em jogo é o embate entre duas propostas, dois Brasis, o Brasil que superamos e o Brasil que todos precisamos que seja”.

Dilma, como bem sabem todos que a conhecem de perto, foi concisa e incisiva, direta ao ponto cobiçado: “esta eleição é a eleição do Pré-sal”.

Eleita e empossada, nossa primeira presidenta em nossa história foi clara: "Não quero a virtude dos homens, mas a das instituições".