Espaço e Ambiente (2)

Artigo 9, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Ago 2006

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Capítulo Dois: falemos ainda sobre Espaço e Ambiente.

Refizemos no artigo anterior parte da jornada de cada um e de todos nós desde o nascimento: o desenvolvimento de nossa percepção a respeito de nossa existência (Eu, “ego“), também daquilo que nos é estranho (não-Eu) e, para alguns, do Outro (“alter“) e dos Outros.

Penso que nesta aventura não estamos sós, embora paradoxalmente o estejamos, sim, numa estranha contradição.

Explico melhor: estamos quase sempre fisicamente próximos de alguém; no espaço ao nosso redor encontramos várias pessoas em nosso dia-a-dia.  Se ampliarmos nossa visão, nela incluiremos diversos seres de várias espécies.

No entanto, as experiências proporcionadas por nossa percepção são exclusivamente nossas, ninguém vê, ninguém sente, ninguém percebe por nós.  Neste sentido, estamos inexoravelmente sós.

Isto nos traz, depois de alguma idade e como conseqüência da individualidade, uma responsabilidade intransferível: ninguém decide por nós, somos os únicos responsáveis por nossas decisões, por nossas escolhas (queiramos, admitamos ou não).

Para nosso alívio (e sobrevivência), todos os seres viventes desenvolvemos alguma forma de interação e de comunicação com os demais.  Assim, percorremos e ocupamos os espaços ao redor num arranjo interativo com outras pessoas e outros seres.

Podemos, nós humanos, em larga medida escolher a maneira como isto se dará.  Os espaços e as interações podem ser favoráveis à ocupação, mas também podem ser hostis ou inadequados.

Um aspecto aparentemente nos difere das demais espécies conhecidas: em muitos casos, podemos alterar os espaços, adequando-os a nossas necessidades.

Em sua caminhada, a humanidade desenvolveu uma rara capacidade, a de interferir planetariamente no equilíbrio pacientemente estabelecido ao longo dos milhões de anos das eras geológicas (como veremos em outros artigos, a nossa não foi a única espécie a fazê-lo).

Muito antes dos problemas ambientais serem escancarados ao mundo, um geólogo russo, Wladimir Vernadsky, em 1926, pesquisando as mudanças planetárias provocadas pelos fenômenos geológicos e também pelas antigas formas de vida

(esta a novidade de seu trabalho), ousou afirmar que a humanidade já poderia ser reconhecida como "uma força da Natureza", tal a modificação ambiental que ela já havia induzido.

É claro que pouca gente o entendeu na época ou entende até hoje.  Oitenta anos (e muitos bilhões de toneladas de petróleo e carvão queimadas) depois...

Nos últimos milênios, ocupamos todos os cantos do planeta.  Não existe mais nenhum continente, nem mesmo uma ilha a descobrir e ocupar, já nos espalhamos por toda a Terra.  E estamos rapidamente agora levando-a ao esgotamento das condições de sustentação da vida como a conhecemos.

Todas as espécies, todos os seres, ocupam algum espaço, instalam-se nele em sua natural busca de recursos para suprir sua existência.

Dele retiram aquilo de que julgam necessitar para sua sobrevivência e reprodução; e ali deixam aquilo de que não necessitam ou o resultado da satisfação de suas necessidades, o rejeito, suas excreções (tenham a forma que tiverem).  Isto é natural e é universal.

Como veremos nos próximos artigos, o que é necessário a uma espécie pode não o ser para outra.  Mas há também inúmeros casos de colaboração e pode até mesmo acontecer que o que é excreção para uma seja fonte de recursos para outras (a Terra já foi uma vez modificada desta maneira).

A vida e seu desenvolvimento no planeta foram originalmente baseados na cooperação.  Sem isto, a vida não teria prosperado, temos provas disto nos registros paleontológicos.

Para nós humanos, como vimos anteriormente, a essência da questão repousa sobre ter ou não a noção de alteridade e, como conseqüência, do direito alheio.

Compreender a interdependência de todos nós, e a impermanência na natureza e no estado de coisas, pode ser a base para a criação de uma nova compreensão das necessidades de cada um e de todos, sejam os indivíduos, sejam as coletividades, seja a nossa ou as demais espécies.

A sustentação da vida no espaço deste pequeno planeta, que é a nossa casa, a casa de todos nós, está a depender urgentemente disto.

O conjunto dos artigos aqui publicados procura tratar da compreensão ampla destas questões e do que cada um e todos nós podemos escolher fazer.