O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (9)

Artigo 73, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jun 2012

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No artigo Educação e Ambientalismo (Dez 2007) citamos o filósofo Karl Popper, para quem “as teorias científicas distinguem-se dos mitos unicamente por serem criticáveis e por estarem abertas a modificações à luz da crítica”.

Já o filósofo Auguste Comte (1798-1857, francês), nos diz que "não se conhece completamente uma ciência enquanto não se souber da sua história". É certamente possível estender este conceito para toda a Ciência, o conhecimento humano; conhecer o desenvolvimento humano e as origens de sua situação presente é conhecer sua história.

Como vimos, o continente europeu foi favorecido por uma mudança climática entre os séculos 9 e 14, conhecida como Período de Aquecimento Medieval (Anomalia Climática Medieval), com pico entre os anos 1100 e 1300.

Foi por volta de 1100 que se acelerou uma articulação entre clima ameno, ampliação de culturas e fronteiras agrícolas, renascimento urbano e comercial, crescimento econômico e desenvolvimento intelectual e científico com evolução tecnológica.

A quantidade de cidades alcançou um aumento exponencial entre os anos de 1000 a 1400; apenas entre 1000 a 1250 surgiram mais de mil e quinhentas cidades, vilarejos e comunidades.

Coincidência ou não, em comparação com tempos mais modernos, o período de 1100 a 1300 já foi chamado de Revolução Industrial da Idade Média. Porém, é sempre bom lembrar o alerta de Carl Jung, fundador da psicologia analítica, citado nos artigos Uma Síntese Necessária (Set 2009), que nos alerta para a compreensão de que na jornada humana não há coincidências.

Nada do que acontece desde então se dá por acaso. Historiadores em número crescente têm buscado compreender e interpretar nossas atuais mazelas com base nos acontecimentos e processos acionados a partir deste período medieval; há inúmeras semelhanças evidenciadas.

Estas cidades (os burgos) não teriam sobrevivido em sua estrutura social sem a criação de um mercado regular; como vimos, a revitalização das áreas comerciais foi uma das principais influências do domínio muçulmano na Península Ibérica. Brian Fagan, já aqui citado, nos diz que “a base dos mercados não era a troca, mas o direito de cunhar moedas”, evento fundamental cuja relevância abordaremos em artigos futuros.

As cidades (os burgueses), de início politicamente fracas em relação aos senhores do campo (a nobreza), que as controlavam, assim passaram a ganhar importância crescente. Os mercadores e o setor comercial ganharam influência e poder graças a uma explosão de atividades comerciais. Para o bem e para o mal, este crescimento das cidades e o surgimento de um novo poder tiveram consequências político-econômicas duradouras.

Competindo inicialmente com a nobreza (senhores feudais) e depois com o clero (que detinha então a maior riqueza), cresceu e estruturou-se a apropriação gradual, por parte dos burgueses, de todos os meios humanos de produção e distribuição de riqueza. Esta nova força social, tendo se iniciado pelo comércio e sua distribuição, passou desde então pelo controle da

produção no campo (alimentos) e na cidade (bens e serviços), passando pela indústria emergente nos séculos seguintes e finalmente desembocando em sua expressão máxima, a banca e os rentistas, o poder financeiro, com os resultados históricos e presentes que todos, hoje sem exceção, estamos a testemunhar e sofrer há gerações.

Se num primeiro momento “burgueses” era a denominação dada aos habitantes das cidades (burgos) emergentes, já ao longo do processo destas profundas mudanças econômicas, políticas e sociais o termo passou mais precisamente a designar os que delas se aproveitaram para o acúmulo das novas riquezas, uma nova classe social que desenvolveu a partir de então um amplo domínio sobre o conjunto da sociedade.

As associações crescentes entre as monarquias e a burguesia, em detrimento da nobreza, terminou por sepultar o feudalismo e abriu as portas para outro tipo de “desenvolvimento”. O feudalismo cedia assim lugar a uma nova forma de organização e produção da sociedade: para o bem e para o mal, surgia o capitalismo.

As escolas e o ensino, antes sob o domínio das igrejas (clero), passaram gradativamente ao controle da burguesia; como sempre, eram destinados não à ciência e ao conhecimento a serviço da sociedade como um todo, mas antes ao desenvolvimento e à reprodução do conhecimento que lhes servia à manutenção de seu poder.

Se em vários momentos da história esta burguesia original (que tem raízes nos vilões – homens livres – medievais) esteve ao lado de transformações sociais importantes, como a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789), que derrotaram uma ordem feudal absolutista, nada a impediu de constituir, ao longo dos séculos seguintes, a partir da Revolução Industrial, uma nova ordem social que em tudo nega e trai, em sua prática predatória e extremada, estes mesmos princípios que a alimentaram em seu início.

Conceitos humanistas como liberdades pessoais, direitos religiosos e civis e livre comércio (aqui o ovo da serpente) derivam-se todos eles das filosofias (ideologia, visão de mundo) burguesas.

Na época do Período de Aquecimento Medieval, como vimos, houve um rápido crescimento populacional, só abatido parcialmente pela Peste Negra, mas retomado a seguir. Se a peste foi arrasadora, ao dizimar dezenas de milhões de pessoas e desarticular as economias, ela também produziu, quando vencida, um ímpeto redobrado no surgimento de novas forças.

Quanto à ocupação de espaços e comportamento ambiental, a escala do desmatamento na Europa durante este período foi devastadora, quer pela busca de novos espaços e fronteiras agrícolas, quer para o emprego crescente das madeiras nas edificações e principalmente na construção naval com fins comerciais e militares, ou seja, político-econômicos.

Acerca do ano 500, perto de 80% da Europa temperada (do centro ao oeste) era constituída de florestas e pântanos; já por volta de 1200 havia sido reduzida a pouco menos de metade disto.

Nos poucos séculos seguintes, quase nada restava; os novos donos de uma Europa exaurida partiram então para o saque de outros lugares e outros povos.