O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (10)

Artigo 74, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jul 2012

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Conforme vimos, é neste cenário medieval que surgem os novos conhecimentos e suas técnicas, como produto de forças sociais em luta pela hegemonia.

Todo o conhecimento e toda a ciência (afinal, toda a cultura) trazidos pelos muçulmanos por 8 séculos a uma Europa mergulhada na fragmentação e na barbárie propiciaram, ao longo do tempo, o surgimento de novas forças sociais e profundas transformações políticas, econômicas e culturais.

Apenas para registrar dois exemplos, nossa língua portuguesa, oriunda do antigo Latim romano (assim como o Italiano, o Espanhol, o Francês e o Romeno – para mencionar apenas as principais), tem mais de 700 palavras com origem no Árabe medieval.

Os algarismos que utilizamos (1, 2, 3 etc), hoje de uso mundial, daí provêm; já o zero (0) é uma genial contribuição da Índia (é sempre bom lembrar que os muçulmanos também beberam das fontes gregas, hindus e chinesas).  O próprio termo algarismo é derivado do nome de um dos mais famosos matemáticos de então, conhecido como Al-Khwarizm (780-850, nascido na Pérsia, hoje Irã), que sintetizou o então saber matemático muçulmano numa obra denominada Al Jabr (esta a origem do termo álgebra).

É como parte deste embate, na superação do feudalismo pelo emergente capitalismo, que são empreendidas as iniciativas que vieram a ser conhecidas como “expansão marítima” e “grandes descobrimentos”, na busca por novas fontes de recursos naturais, comércio, expansão territorial e mão de obra escrava.

Ao lado dos burgueses, os habitantes dos burgos (as cidades muradas), existiam os mais pobres, os que ficavam fora das muralhas, assim nomeados extraburgos ou proletários (na visão de então, aqueles que valiam apenas por sua prole, ou seja, por sua capacidade de produzir filhos para a mão de obra).

É assim que, com o avançar da indústria no tempo, a substituição da escravidão ou servilismo pelo trabalho assalariado e a crescente utilização de mão de obra dão origem ao surgimento de uma classe social nova, conhecida como proletariado ou classe trabalhadora.

Séculos mais tarde, Karl Marx e Friedrich Engels (filósofos, sociólogos e economistas), também numa visão europeia e em uma de suas obras (o Manifesto do Partido Comunista, de 1848), assim resumiram este processo:

”Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, membros de corporação, oficiais-artesãos, servos, e ainda, em quase cada uma dessas classes, novas gradações particulares.

A moderna sociedade burguesa, emergente do naufrágio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Ela apenas colocou novas classes, novas condições de opressão, novas estruturas de luta no lugar das antigas.

A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, contudo, pelo fato de ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade toda cinde-se, mais e mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente confrontadas: burguesia e proletariado.

Dos servos da Idade Média advieram os burgueses extramuros [os vilões; v. artigos anteriores] das primeiras cidades; deste estamento medieval

desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América e a circunavegação da África criaram um novo terreno para a burguesia ascendente. Os mercados das índias Orientais e da China, a colonização da América, o intercâmbio com as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação, à indústria um impulso jamais conhecido; e, com isso, imprimiram um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em desagregação.

O funcionamento feudal ou corporativo da indústria, existente até então, já não bastava para as necessidades que cresciam com os novos mercados. A manufatura [os artesãos] tomou o seu lugar. Os mestres de corporação foram sufocados pelo estrato médio industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações desapareceu perante a divisão do trabalho no interior da própria oficina particular.

Mas os mercados continuavam a crescer, continuava a aumentar a necessidade de produtos. Também a manufatura já não bastava mais. Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna tomou o lugar da manufatura; o lugar do estrato médio industrial foi tomado pelos milionários industriais, os chefes de exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.

A grande indústria criou o mercado mundial, que a descoberta da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra um desenvolvimento incalculável. Este por sua vez reagiu sobre a expansão da indústria, e na mesma medida em que indústria, comércio, navegação, estradas de ferro se expandiam, nessa mesma medida a burguesia desenvolvia-se, multiplicava seus capitais, empurrava a um segundo plano todas as classes provenientes da Idade Média.

Vemos, portanto, como a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluções nos meios de produção e de transporte.

Cada uma dessas etapas de desenvolvimento da burguesia veio acompanhada de um progresso político correspondente. [Tendo sido] Estrato social oprimido sob o domínio dos senhores feudais, associação armada e com administração autônoma na comuna – aqui cidade-república independente, ali terceiro Estado tributário da monarquia; depois, na era da manufatura, contrapeso à nobreza na monarquia estamental ou absoluta; base principal das grandes monarquias de uma forma geral – a burguesia conquistou finalmente para si, desde a criação da grande indústria e do mercado mundial no moderno Estado representativo, o domínio político exclusivo. O poder estatal moderno é apenas uma comissão que administra os negócios comuns do conjunto da classe burguesa.

A burguesia desempenhou na história um papel extremamente revolucionário.

É assim, neste longo processo desde a Idade Média, que veio se desenvolvendo a construção de um método de conhecimento que pudesse, em princípio, ser confiável na interpretação da realidade (fosse ela aparente ou invisível a nossos sentidos) e pudesse estar ao alcance de todos.

Como este desenvolvimento foi condicionado pelos interesses em embate é o que veremos a seguir.