O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (14)

Artigo 78, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Nov 2012

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 
Iniciemos esta conceituação do método científico com uma indagação impertinente: o que você busca, conhecimento ou certezas?

Para dar uma pista sobre as inquietações que esta questão contempla, recorro uma vez mais às reflexões de pensadores, alguns já aqui citados, como Bertrand Russell (1872-1970, galês): "Todas as ciências exatas são dominadas pela ideia da aproximação."

George Bernard Shaw (1856-1950, irlandês), sempre com seu humor sarcástico, afirmava: "A ciência nunca resolve um problema sem criar pelo menos outros dez."

Já o escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977) ponderava: "De fato, quanto maior a nossa ciência, mais profundo é o mistério."

Um dos grandes cientistas do século 19 e principal defensor da teoria de Charles Darwin sobre evolução, Thomas Huxley, (1825-1895, inglês) advertia: "A ciência comete suicídio quando adota um credo."

Esta cautela com relação à aceitação ou não de conhecimentos e teorias novos, que abalavam as "certezas" estabelecidas, era compartilhada pelo italiano Paolo Mantegazza (1831-1910): "Da ciência devemos dar a cada um o que ele pode digerir."

Um exemplo de precaução, tanto científica como pessoal e social, é o caso justamente de Charles Darwin (1809-1882, inglês) que, tendo elaborado os fundamentos de sua teoria evolucionista sobre a origem das espécies por volta de 1838 e nela trabalhado sempre em segredo, apenas muniu-se de coragem para anunciá-la vinte anos depois.

Nessa ocasião, meados de 1858, Darwin recebera um trabalho de Alfred Russel Wallace (1823-1913, galês), com quem se correspondia, que era muito semelhante ao seu.  Darwin já havia sido alertado sobre a pesquisa de Wallace, dois anos antes disto, por seu amigo Charles Lyell (1797-1875, escocês), geólogo.

Cientistas amigos em comum propuseram então que ambos apresentassem seus trabalhos conjuntamente à sociedade científica londrina, o que fizeram ainda em 1858.  Nem mesmo o fato de dois pesquisadores rigorosos e conceituados terem chegado às mesmas conclusões e por caminhos independentes um do outro foi capaz de amenizar o impacto e as resistências apresentadas pelas convicções estabelecidas à época.

Que trilhas e métodos teriam sido estes e o que haveria de comum entre eles?  Vejamos o caso de Darwin.

Recém- formado e então com 22 anos de idade, foi convidado em 1831 a participar de uma expedição científica inglesa aos trópicos, na condição de naturalista e coletor, como acompanhante do comandante do navio HMS Beagle, o capitão Robert Fitz-Roy.

Prevista para durar 2 anos no mapeamento das costas sul-americanas, ela permitiu que durante seus quase 5 anos de duração, em que deu a volta à Terra, Darwin pudesse observar, pesquisar e refletir sobre a diversidade da vida.

A atividade de Darwin foi intensa nas vinte paradas do Beagle pelos quatro continentes em que aportou: observações detalhadas, coleta de fósseis, espécimes animais e vegetais, anotações, experimentos, centenas de registros e desenhos, trocas de informações,

correspondências e opiniões com outros pesquisadores.  Aplicou com rigor os procedimentos de pesquisa vigentes, reunindo cuidadosamente o maior número possível de fatos como provas, checando depois cada tópico com os pesquisadores respeitados da época.

O fruto deste cuidado e talento criativo só veio à luz duas décadas depois, em 1859, sob o título "Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural", onde afirmava que os organismos vivos, assim como os que viu fossilizados, tinham origem em um ancestral comum e suas espécies eram transformadas ao longo do tempo geológico.  A espécie humana, desta forma, deixava de ser um animal especial superior para ser então vista como mais um ramo da grande árvore da vida.

Um exemplo do método utilizado pode ser visto em suas observações no sul do Oceano Pacífico.

Certo tipo de ilhas ali existentes sempre haviam despertado o interesse dos viajantes: conhecidas como atóis, eram recifes que tinham a forma aproximada de anel, com uma laguna no interior.  Eram formadas por rocha calcária, resultado da deposição das carapaças de minúsculos animais marinhos e plantas, e podiam ter dezenas de metros ou mesmo quilômetros de extensão.

Muitos tentavam explicar sua origem e havia algumas hipóteses baseadas em umas poucas observações.

A primeira hipótese, mais popular, dizia que havia crateras de vulcões extintos no fundo oceânico; rochas coralíneas teriam se acumulado nas bordas destas crateras; crescendo a deposição, estas bordas acabariam se elevando acima da superfície do oceano; assim, a forma das ilhas assumia a forma das crateras vulcânicas submersas.

Uma segunda hipótese admitia um empilhamento dos corais: os animais teriam se superposto a colinas desde o fundo, crescendo até a superfície; os animais das bordas conseguiriam alimento mais facilmente, do mar aberto, enquanto que os de dentro não, morrendo; o mar gradualmente invadiria esta parte central deprimida, formando a laguna.

A curiosidade de Darwin, estimulada, propôs a questão da seguinte maneira: por que estas ilhas têm a forma anelada e contêm uma laguna?

Temos como regra, hoje, que nenhum conjunto de conhecimentos poderá ser considerado ciência se a sua criação não utilizar o método científico.  Para tanto, recorremos à percepção do problema, recolhemos fatos e procedemos à formulação precisa do problema, buscamos conhecimentos relevantes pré-existentes relativos ao problema (dados, informações, instrumentos, técnicas, teorias), consideramos hipóteses e a produção de novos dados, fazemos afinal uma ou mais previsões (prognóstico) e buscamos a prova.

Charles Darwin disse: "Para ter qualquer utilidade, toda observação deve ser contra ou a favor de um ponto de vista".

Caso as novas observações estejam de acordo com a hipótese formulada, esta será fortalecida; mas se a contrariarem, ela deverá ser revista ou até mesmo rejeitada, sendo substituída por outra melhor.  Cientistas, como os detetives, formulam e testam uma variedade de hipóteses antes de alcançar a solução.

Veremos a seguir como Darwin procedeu neste caso.