O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (16)

Artigo 80, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jan 2013

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A formulação de uma hipótese, em Ciência, é uma atividade de pura criação, muitas vezes descrita como “intuição”, “inspiração” ou “palpite feliz”.

Certamente é mais fácil descrever a estrutura e a função de uma hipótese do que explicar sua criação.

Como vimos, tudo aqui começa com a proposta ou reconhecimento de um 'problema', ou seja, um fato ou uma constatação que nos despertam o interesse em lhes buscarmos uma explicação compreensível e satisfatória.

Abordamos também, de maneira resumida, o que seriam os passos seguintes: a coleta sistemática de dados, a busca por referências e estudos anteriores, a transformação dos dados em informações, a formulação de algumas suposições iniciais, o inter-relacionamento entre os dados, as informações e as primeiras suposições, para que na mente do pesquisador brote, como que “vinda do nada”, a idéia de uma explicação geral, uma hipótese plausível.

A hipótese não é uma resposta qualquer: ela não só procura explicar todos os fatos observados (a serem confirmados por vários observadores) como também deve fazer previsões sobre fatos ainda não observados.

É a verificação (realização) ou não destas previsões que poderá reforçar ou invalidar a hipótese.  Após um longo processo de verificação e consolidação, a hipótese poderá enfim alcançar o status de teoria.

No processo investigativo e criativo, o chamado insight (o 'estalo' no intelecto de um indivíduo, aquela clareza súbita na mente) não ocorre por acaso; quanto mais aberta a mente, quanto maior o esforço de pesquisa, quanto mais rigorosa a honestidade intelectual, mais fértil se torna este campo semeado de onde brotam as idéias de soluções.

Como já apontamos, o 'segredo' está na compreensão e formulação do problema, a maneira como somos capazes de produzir a pergunta essencial.

No exemplo aqui abordado, o caso de Darwin e as ilhas atóis, a hipótese por ele formulada deveria explicar três principais fatos observados:

(1) as ilhas têm lagunas centrais,

(2) as costas externas declinam rapidamente e

(3) abaixo dos 54 metros não são encontrados corais.

A elaboração de sua hipótese não apenas explicou estes fatos como também o habilitou a prever que (4) as ilhas coralíneas se assentavam sobre uma base vulcânica, que seria encontrada desde que fossem realizadas as sondagens indicadas (o que muito mais tarde provou-se correto).

Neste sentido, a confirmação de uma previsão é de crucial importância ao pesquisador por duas razões:

(a) diz a ele se está ou não na pista certa, pois às vezes há mais de uma hipótese aventada para explicar os fatos (1-2-3), mas apenas uma delas é capaz de fazer a previsão correta (4), e

(b) os novos fatos observados podem levar a descobertas ainda maiores, graças às novas correlações possíveis.

Torna-se evidente, por todas as implicações históricas e culturais que viemos abordando nesta última dúzia de artigos, que a cultura em que se desenvolveu e está imerso o pesquisador tem grande influência sobre a maneira como ele investiga os problemas e formula soluções.

Em certas culturas, como muitas das orientais, é parte da estrutura mental perceber a resposta como parte da pergunta (segundo a filosofia Zen, “a pergunta verdadeira traz consigo a resposta”).

O filósofo chinês Confúcio (v. artigo Renda Básica de Cidadania, Mai 2010) dizia:

Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas.”

Já o escritor português José Saramago (1922-2010), Nobel de Literatura em 1998, afirmava:

Tudo neste mundo tem uma resposta. O que leva é tempo para se formular as perguntas.”

Em nossa língua, até empregamos o mesmo termo tanto nas perguntas como nas respostas: “o por quê” na forma 'por que' (duas palavras) apresenta a pergunta, enquanto 'porque' introduz a resposta.

Na construção das hipóteses, os testes são de importância fundamental; e, neles, a chamada 'experiência controlada', ou seja, o isolamento e o teste de variáveis que podem condicionar os fatos.

Como voltaremos a examinar, foi na transição da Idade Média para a Idade Moderna, a muito custo e sacrifício humanos, que os processos de criação de conhecimento começaram a ganhar maior rigor.

A revisitação do processo histórico (e, portanto, cultural) do desenvolvimento do conhecimento humano tem a importância que lhe atribuiu Carl Jung (v. artigos Uma Síntese Necessária, Set 2009 e O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento, Jun 2012):

Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta.”

Nas palavras de Eugène Ionesco (1909-1994, romeno), um dos maiores dramaturgos do ‘teatro do absurdo’ (que ele preferia denominar ‘teatro do insólito’), “não é a resposta que ilumina, mas sim a pergunta.”