O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (18)

Artigo 82, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Mar 2013

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Como vimos no artigo anterior, a curiosidade natural despertou em nosso jovem o interesse em resolver um enigma: sua observação de que num dos frascos havia mais bolhas do que no outro, que lhe era aparentemente idêntico, estimulou-o a iniciar uma pesquisa na busca de uma explicação.

O que haveria de diferente de um para o outro?  O que poderia ter acontecido naquela madrugada?

Estas duas indagações o incentivaram a pensar que talvez as bolhas fossem o resultado de alguma atividade ocorrida na mistura dos frascos.

Isto era um fato: havia mais bolhas no primeiro do que no segundo.

Ele então arriscou uma primeira suposição: esta atividade teria sido mais intensa no frasco que ficou próximo ao fogão e menor no frasco que teria ficado fora da casa, no frio da noite invernal.

Assim, numa decorrência lógica, fez a si mesmo a primeira pergunta essencial: a atividade que teria dado origem às bolhas seria influenciada pela temperatura?

Procurou em seguida avaliar outro fato: os dois frascos continham uma mistura idêntica de água e açúcar e eles haviam recebido depois quantidades semelhantes de uma levedura.

Realizou então uma primeira experiência: fez uma mistura (dizemos ‘solução’) de água e açúcar e a repartiu entre dois frascos, repetindo o que sua mãe havia feito, inclusive deixando um frasco perto do fogão e o outro do lado de fora da casa.  Não acrescentou, entretanto, a levedura.

No dia seguinte, ao examiná-los, constatou que nada havia de diferente entre eles: observava mais um fato, nestas condições nenhuma bolha fora produzida.

Animado em sua investigação, considerou mais uma nova suposição: a atividade, a produção de bolhas, é devida ao lêvedo.  Brotou então em sua mente a seguinte ideia: a velocidade com que o lêvedo produz as bolhas (o gás) é influenciada pela temperatura!

Formulava assim o nosso entusiasmado jovem a sua primeira hipótese para explicar os fenômenos que havia observado.  Ao mesmo tempo, porém, sentia o peso do desafio: como certificar-se de que esta era uma boa explicação?  Que meios teria para testar esta ideia, esta hipótese?

Albert Einstein valia-se de uma metáfora para explicar a posição do pesquisador perante o problema, a do cientista diante do relógio:

No nosso esforço para compreender a realidade, somos como uma pessoa tentando entender o mecanismo de um relógio fechado.  Ela vê o mostrador e os ponteiros, ouve o seu tique-taque, mas não tem meios para abrir a caixa.  Se ela for habilidosa, poderá imaginar um mecanismo responsável pelo que observa, mas nunca poderá ficar completamente segura de que sua explicação é a única possível.”

Ora, estava claro para o nosso jovem que as bolhas significavam a produção de algum gás e, como ele já observara, isto podia ser atribuído à atividade do lêvedo na solução dos frascos.

Desta forma, veio-lhe a ideia de que, se pudesse medir a produção do gás em cada frasco, em temperaturas diferentes, isto poderia lhe dar pistas valiosas.

Pensou em tapar a boca dos frascos com bexigas; ao vê-las inflarem, confirmaria a produção do gás pela

levedura.  Logo percebeu, porém, que isto não lhe daria medidas acuradas para comparações.

Intrépido, nosso jovem buscou a ajuda de um professor.  Dias depois, recebeu uma caixa com alguns petrechos; vários eram de vidro e neles havia etiquetas com nomes.  Leu um bilhete:

Vou lhe dar apenas algumas pistas.  Além da água, do açúcar e do lêvedo, você vai precisar de água quente e gelo.  Registrar o ‘antes’ e o ‘depois’ com precisão é essencial.  As etiquetas sugerem o que faz cada instrumento.  Tenho a certeza de que você vai conseguir.”

No verso do bilhete encontrou um desenho a lápis com o título ‘Manômetro’, seguido da anotação:

"Mano" vem do grego “manós”, que significa “raro, pouco denso”; em Ciência, usamos para “gás”. "Metro", do grego “métron”, significa “medida” ou “instrumento para medir”.  O termo “manômetro” foi criado por volta de 1705 por Pierre Varignon (1654-1722, francês), matemático.

Examinou o que poderia utilizar para construir seu instrumento: tubos de vidro em forma de U (abertos nas pontas), corante, papel milimetrado, lápis de cor, fita adesiva, mangueiras de borracha, presilhas de aço.  Havia ainda um recipiente largo de vidro chamado béquer, tubos de ensaio, rolhas (algumas com furos) e um termômetro.

Nosso jovem logo percebeu que num tubo de vidro em forma de U poderia colocar um pouco de água (qualquer pressão de gás numa das pontas faria o líquido no tubo se deslocar em direção à outra extremidade).  O papel milimetrado, colado ao tubo em U pela fita adesiva, serviria, é claro, para que usasse os lápis de cor para marcar a posição do líquido no tubo ao longo do tempo; e o corante na água ajudaria em muito esta leitura...

Com uma exclamação de felicidade compreendeu que tinha então, quase pronto, um instrumento para medir a produção do gás, um manômetro!

Precisava agora pensar no experimento como um todo para conseguir montar o dispositivo.

Os dois tubos de ensaio receberiam a solução de água e açúcar com o lêvedo, decerto, a exemplo dos frascos que sua mãe usara.  Precisava então capturar a produção do gás e canalizá-la para o manômetro...   As mangueiras de borracha o fariam.  E as rolhas furadas vedariam os tubos de ensaio, ao mesmo tempo deixando a mangueira passar!

Já compreendia a esta altura, com entusiasmo, que a atividade do lêvedo produziria o gás que, sendo capturado pela mangueira e conduzido ao manômetro, empurraria o líquido no tubo em U.  As medidas seriam então registradas no papel a intervalos regulares de tempo, o que lhe daria uma ‘velocidade’ de produção.

Sentia-se satisfeito com o andamento do plano; mas lembrou-se de sua hipótese, agora na forma de indagação: “a velocidade com que o lêvedo produz o gás é influenciada pela temperatura?”

As dúvidas surgiram: ainda que conseguisse medir o gás produzido no tubo de ensaio, isto lhe daria garantias de que o lêvedo era o responsável por ele e não algum outro fator desconhecido?  Como poderia comprovar?  E quanto à influência da temperatura?

Olhou para os petrechos que ainda restavam na caixa, o termômetro, o béquer, as presilhas, refletindo sobre o que haveria a ser melhor elaborado em seu experimento...