O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (21)

Artigo 85, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jun 2013

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Tivesse vivido quatro séculos antes e no continente europeu em ebulição, o nosso jovem pesquisador não teria tanta sorte e nem mesmo facilidades, como o incentivo prudente de seu professor.

Ao contrário, sua natural curiosidade certamente o teria levado a confrontos com o poder e a cultura estabelecidos.

Diferentemente do Oriente Médio, onde sábios como Alhazen (965-1040, árabe) e Al-Biruni (973-1048, persa) eram valorizados, a Europa feudal constituía, com poucas diferenças regionais, um ambiente inóspito às iniciativas pela busca do conhecimento.  Como vimos em O Processo do Conhecimento - método científico, Mar 2012, o frade Roger Bacon (1214-1294) amargou quatorze anos de prisão.

Destino pior teve Giordano Bruno (1548-1600, italiano), frade dominicano, teólogo, filósofo e escritor, já numa época em que o feudalismo era confrontado pelo emergente capitalismo primitivo.

Giordano Bruno defendia a teoria heliocêntrica proposta por Copérnico (e antes deste por Oresme; v. artigo citado), que já havia sofrido perseguições.

Giordano entendia o universo como infinito, povoado por infinitas estrelas e talvez por outras civilizações, antecipava ideias sobre relatividade (que só viriam a ser propostas depois por Galileu) e até mesmo algumas ideias que só emergiriam muito mais tarde com Charles Darwin.  Para ele, Deus seria a força criadora perfeita que forma o mundo e que seria imanente a ele.

Com tudo isto, Giordano Bruno confrontou abertamente a Igreja Católica e suas determinações.  Pagou com a vida, sendo condenado à morte na fogueira pela Inquisição do Santo Ofício.

Mesmo Francis Bacon (1561-1626, inglês), visto como um dos fundadores da ciência moderna, tivera problemas, acusado de corrupção (como se vê, um método já antigo de desqualificação de adversários).

Bacon propunha uma completa reforma do conhecimento (por ele denominada Grande Restauração), para isto buscando um novo método que superasse o de Aristóteles, um novo modo de investigação de fatos que passasse, a seguir, para a investigação de leis e que de volta remetesse novamente aos fatos e então para as ações possíveis.  Dedicava-se assim à criação de uma metodologia científica e ao empirismo.

O destino de Galileu Galilei (1564-1642, italiano), físico, matemático, astrônomo e filósofo, também considerado fundador da moderna ciência, esteve prestes a seguir o de Giordano Bruno.

Com base no método derivado de Francis Bacon e do jovem René Descartes, e ainda apoiado na Matemática, na experimentação e em sua própria contribuição para o desenvolvimento do telescópio, Galileu emprestou grande força científica à teoria heliocêntrica.

O reforço recebido das descobertas do brilhante Johannes Kepler (1571-1630, alemão), astrônomo e matemático que exerceu importante papel na revolução científica, não foi suficiente para que Galileu superasse a oposição da Igreja

(entre outros feitos, Kepler criara os elementos que mais tarde dariam a base usada por Isaac Newton em sua formulação da teoria da gravitação universal).  Kepler mesmo também havia sofrido, tendo sido exilado da Áustria.

A Igreja insistia que Galileu tratasse da teoria heliocêntrica apenas como hipótese matemática e não como fato comprovado (retirar a Terra do centro do universo trazia problemas ao método da autoridade; v. O Processo do Conhecimento - método científico, Out-Dez 2011).  Nem mesmo a simpatia pessoal que o Papa Urbano VIII nutria por Galileu livrou-o do julgamento da Inquisição (embora o tenha salvo da fogueira) e da condenação à prisão perpétua, depois convertida em domiciliar.

Tanto Kepler (protestante) quanto Galilleu (católico) encontravam-se em meio a uma batalha mortal entre a Igreja Católica e a Reforma Protestante; nem René Descartes, considerado o primeiro pensador moderno, (v. O Processo do Conhecimento - método científico, Set 2012) passou incólume.

O terror medieval continuava, guiado tanto por interesses poderosos quanto pela ignorância cultivada: mulheres eram enviadas à fogueira, acusadas de bruxaria, pelo simples fato de deterem e usarem um conhecimento ancestral a respeito de ervas no tratamento de doenças.

Porém, como já vimos antes, uma nova força se avantajava e as necessidades e a dinâmica comercial de uma burguesia e um capitalismo primitivos emergiam.

É como fruto do penoso trabalho destes pensadores (e de muitos mais) neste turbulento período de transições que surgem as momumentais obras de Isaac Newton (1643-1727, inglês), físico e matemático, e Gottfried Leibniz (1646-1716, alemão), filósofo, matemático e diplomata.

Newton formula a teoria da gravitação universal, onde demonstra que os movimentos de objetos, na Terra ou em outros corpos celestes, obedecem ao mesmo conjunto de leis naturais.

Leibniz criou fundamentos que vieram a ser empregados até na computação moderna, tendo antecipado ideias sobre espaço, tempo e movimento que seriam vistas depois em Einstein.  A Newton e Leibniz é atribuído o desenvolvimento do cálculo moderno.

Nesta luta perene pela mobilização do poder da razão surge então um movimento intelectual que se propõe reformar a sociedade e o conhecimento advindos da tradição medieval.

Semeado pelos trabalhos de pensadores como Baruch de Spinoza (1632-1677, holandês; v. artigo Conclusões: O Transcender, Jul 2009), John Locke (1632-1704, inglês), Pierre Bayle (1647-1706, francês) e o próprio Isaac Newton, este movimento, conhecido como Iluminismo (ou Esclarecimento), já de início contrapunha-se ao que considerava intolerância e abusos tanto da Igreja como do Estado.

Como consequência lógica, a estrutura política e social absolutista (regimes de poder absoluto aos dirigentes), assim como o mercantilismo, foram severamente criticados pela revolução intelectual iluminista.

Numa época de transe modernizador, estruturação de estados-nações, expansão de direitos civis e apropriação do Estado por novas forças, voltavam-se os interesses em direção à produção, mais do que o simples comércio.

Vencida a etapa mais conflituosa de sua gênese, interessava ao capitalismo emergente, como veremos, a tradução prática desta evolução científica.