O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (22)

Artigo 86, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jul 2013

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Se antes, durante o período do Renascimento (nos séculos 15 e 16, em que as monarquias viram-se consolidadas em terras européias), os artistas e pesquisadores foram patrocinados pela realeza, eles eram agora crescentemente apoiados pelo poder emergente, a burguesia primitiva.

Esta claramente tinha a necessidade urgente dos préstimos destes criadores, tanto do ponto de vista cultural (para o estabelecimento de novos valores) como do ponto de vista prático, de conquistas do conhecimento e avanços tecnológicos que viessem a ampliar seu poder.

Mais uma vez acirrava-se o embate entre fé (a base ideológica do poder medieval) e razão (a visão de mundo da burguesia emergente).

Acelerada por pioneiros (e muitas vezes mártires) como Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Francis Bacon, Galileu Galilei, Johannes Kepler e René Descartes, e depois consolidada por outros como Baruch de Spinoza, John Locke, Isaac Newton, Gottfried Leibniz e Pierre Bayle, a chamada Revolução Científica estendeu-se do século 16 ao século 18.

Se o Renascimento já despertara o humanismo em oposição ao teocentrismo medieval, agora a imprensa (ao libertar a reprodução dos textos do penoso trabalho dos copistas) e a Reforma Protestante (ao contestar o poder absoluto da Igreja Católica e valorizar o mérito) davam grande impulso à divulgação do novo ideário científico.

Assim, enquanto a ciência se descolava da Filosofia e principiava a estruturar-se enquanto método, o uso da Matemática e da mensuração em sua teoria e prática intensificavam-se.

Nesse transe, os estados absolutistas (as monarquias) apoiavam-se num precário equilíbrio entre a nobreza (cada vez mais improdutiva, cortesã e necessitada de pensões) e a burguesia primitiva (que recebia estímulos e concessões de comércio muitas vezes monopolistas).

Desenvolvendo as bases teórica e prática do que entendia como liberalismo (leia-se capitalismo), esta burguesia primitiva prosseguiu rapidamente em sua ascensão econômica, principalmente na Inglaterra e na França, ganhando corpo para iniciar a crítica do que denominava Antigo Regime.

Interessava a esta burguesia o estabelecimento de relações sociais (e portanto político-econômicas, segundo uma

certa concepção e estrutura de estado) baseadas na visão de que (1) um Estado só é verdadeiramente poderoso se for rico, (2) para isto ele precisa expandir as atividades liberais (capitalistas) e (3) a expansão das atividades liberais demanda, segundo esta lógica, dar liberdade e poder a esta burguesia.

É neste contexto que se pode compreender o significado e a importância do movimento iluminista deflagrado por Spinoza, Locke, Newton, Leibniz e Bayle.

O Iluminismo (movimento também conhecido como Esclarecimento ou Filosofia das Luzes, séculos 17 e 18) opunha-se ao poder absoluto dos reis (que mantinha os privilégios da nobreza e impedia a participação política da burguesia), opunha-se ainda à divisão da sociedade em estamentos (no caso, condição social imutável imposta já ao nascimento), às relações feudais, à intolerância religiosa, filosófica ou política, à intervenção do estado na vida das pessoas e dos empreendimentos, criticava o mercantilismo (considerava o comércio estéril, já que a verdadeira riqueza viria da exploração dos recursos da natureza – pecuária, agricultura, mineração) etc.  Não era pouco.

O ideário iluminista baseava-se sobretudo nas liberdades individuais, como a livre iniciativa.  Suas bandeiras principais defendiam:

- as liberdades pessoal e social.  Entendendo que a atividade comercial exigia uma economia de mercado para desenvolver-se, era necessário o livre jogo da oferta e da procura.  Para existir um mercado comercial, era preciso que trabalhadores livres recebessem salários; logo, a burguesia opunha-se à escravidão humana, passando a defender uma sociedade livre e assalariada;

- igualdade.  Não deveriam importar as desigualdades sociais entre compradores e vendedores.  No comércio, no ato de compra e venda, o que importava era a igualdade jurídica dos participantes; logo, todos deveriam ser iguais perante a lei, sem privilégios de nascença, como os da nobreza.  Porém, no plano econômico, igualdade jurídica não significava igualdade econômica, a maioria dos iluministas aceitava a desigualdade como parte da ordem natural;

- propriedade privada.  O proprietário podia comprar ou vender porque detinha o direito de dispor livremente de seus bens, o comércio só era possível entre os proprietários de bens ou de dinheiro.  Desta forma, a burguesia defendia o direito à propriedade privada, feição essencial da sociedade liberal (capitalista);

- tolerância religiosa ou filosófica.  No ato comercial seriam irrelevantes as convicções religiosas ou filosóficas dos participantes, sendo irracional a exclusão de compradores ou vendedores em função de suas crenças; a capacidade econômica definia-se pelo ter e não pelo ser.

Certamente nem a nobreza e muito menos a realeza (ou a Igreja) aceitariam de bom grado o seu deslocamento do eixo do poder.

O embate entre a fé e a razão, entre o dogma e a ciência, entre o feudalismo e o capitalismo teria ainda muitos desdobramentos nos anos seguintes que incluiriam nomes como Montesquieu, Voltaire, Benjamin Franklin, Buffon, David Hume, Jean-Jacques Rousseau, Denis Diderot, Adam Smith, Immanuel Kant, Benjamin Constant e grandes eventos como a Revolução Americana e a Revolução Francesa.