O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (29)

Artigo 93, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Fev 2014

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Ao longo de muitos anos de viagens e pesquisas Charles Darwin coletara um vasto material que demonstrava não só a imensa diversidade de espécies, mas também a ocorrência de variações dentro das espécies.

Suas observações mostravam que ligeiras variações poderiam ocorrer nos descendentes de um único cruzamento.  Apoiado nas evidências reunidas e nas pesquisas de outros naturalistas, sentiu-se seguro em dizer que “as espécies, ao contrário da crença quase universal, não são estáticas e imutáveis, mas se alteram através de longos períodos de tempo”.

Em tese, o problema apontado pelo economista Thomas Malthus (o aumento exponencial da população frente ao aumento linear da oferta de alimentos) teria levado a humanidade a colapsar há muito tempo, pois não haveria alimento suficiente para uma população explosiva e seu número seria drasticamente reduzido.

Darwin ponderou que de fato cada espécie tinha o potencial para aumentar exponencialmente a cada geração, pois o número de descendentes a cada geração seria maior do que o de pais.  Na direção inversa, se o número de descendentes a cada geração fosse decrescente, a espécie tenderia à extinção.

Entretanto, a realidade mostrava que, a exemplo de muitas outras espécies, as populações em geral mantinham certa estabilidade.  Darwin considerou que deveria haver então algum fator limitante: a luta pela sobrevivência, competição por alimento, água, luz, temperatura e outros fatores do ambiente.

Em A Origem das Espécies Darwin escreve: “Uma vez que, de cada espécie, nascem muito mais indivíduos do que o número capaz de sobreviver, em consequência disso ocorre uma constante luta pela existência: qualquer ser que sofra uma variação, por menor que seja, capaz de lhe conferir alguma vantagem sobre os demais, dentro das complexas e eventualmente variáveis condições de vida, terá maior condição de viver, tirando proveito da seleção natural.  E, em função do poderoso princípio de hereditariedade, qualquer variedade que tenha sido selecionada tenderá a propagar sua nova forma modificada”.

Darwin voltou-se para a seleção artificial praticada desde que o Homem domesticara o primeiro animal ou vegetal: os criadores de plantas e de animais.

Observou as diferenças de variabilidade nas espécies domesticadas e nas selvagens.  Fez suas próprias experiências com várias espécies, criando inúmeras gerações de pombos em cruzamentos diversos.  Notou que a cada geração havia semelhanças, mas também diferenças, criando novas variedades com relação aos pombos selvagens.  Descobriu também que nas espécies selvagens a variabilidade era menor.

Como poderiam os cruzamentos causar tantas variedades entre os animais e as plantas?

Darwin concluiu pela seleção: os criadores selecionam para os cruzamentos aqueles espécimes (exemplares de espécies) que tenham as características desejadas.

Escreveu: “Mas quando comparamos o cavalo de tração com o cavalo de corrida, as várias raças de carneiros adaptados aos campos cultivados ou aos pastos das montanhas... as várias raças de cães... as inúmeras variedades de plantas cultivadas, usadas na culinária...

devemos, penso, ver mais do que mera variabilidade. ... A chave é o poder humano  de seleção cumulativa: a natureza fornece variações sucessivas; o Homem acumula-as em certas direções úteis a ele.  Neste sentido, pode-se dizer que ele fez para si as raças que lhes são úteis”.

Qual seria então a causa da variedade (menor) na natureza?

A seleção provocada pelo Homem pode produzir novas variedades em curto tempo, porém, a seleção pela natureza se dá muito lentamente.

Darwin não se acomodou na mera constatação.  Seu espírito criador, como cientista, levou-o além, na busca da formulação de uma hipótese para a explicação, não do “mecanismo” evolutivo, mas de um processo natural pelo qual a evolução se dá.

Ele considerou que:

- os organismos têm potencial para aumentar seu número em progressão geométrica;

- a cada geração, porém, o número de indivíduos numa mesma espécie tende a ser constante;

- muito provavelmente isto seria devido à competição pela sobrevivência;

- existem variações entre os indivíduos dentro de cada espécie;

- as características destas variações podem ser herdadas pela geração seguinte;

- num determinado ambiente, algumas variações poderiam ser favorecidas em sua sobrevivência e reprodução, enquanto outras seriam inócuas ou mesmo prejudiciais.

Concluiu então que variações favoráveis seriam transmitidas de geração a geração, acumulando-se com o tempo.  Este acúmulo poderia resultar em grandes diferenças com relação às antigas gerações, a ponto de vir a constituir uma nova espécie (v. artigo O Processo do conhecimento – Método Científico, Dez 2013, sobre o conceito de espécie então vigente).

Desta forma Darwin elaborava sua hipótese para explicar, em resumo, o processo que levava à diversidade da vida e sua evolução: “as variações favoráveis dão aos indivíduos maiores probabilidades de serem preservados na luta pela vida e, sendo hereditárias, seus descendentes estarão igualmente aptos para sobreviver e reproduzir-se.  Este princípio de sobrevivência diferencial leva o nome de seleção natural”.

Entretanto, prevendo a tremenda resistência que suas ideias e descobertas provocariam, Darwin hesitou por muito tempo em publicá-las.  Em 1842 escreveu um esboço de seu trabalho em 35 páginas, apenas para uso próprio; dois anos mais tarde, ampliou o manuscrito para um ensaio de 230 páginas.  Passou ainda mais 15 anos coletando fatos e relacionando-os para criar provas convincentes de suas conclusões.

Talvez passasse o restante de sua vida preparando-se para nunca estar pronto, não fosse a intervenção providencial do amigo geólogo Charles Lyell e de um promissor e brilhante naturalista, Alfred Russel Wallace.