O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - informação

Artigo 62, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jul 2011

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Compreendido o conceito de que um sinal representa uma fonte emissora e independe de um receptor, evoluímos para o conceito de que se um sinal encontra em seu caminho um receptor, e este o percebe, surge o que chamamos de dado.

Dizemos que um sinal passa a constituir um dado na presença de um receptor atento.

Claude Elwood Shannon (1916-2001, estadunidense), matemático, engenheiro e monociclista amador, fundou, a partir de um artigo publicado em 1948 (A Teoria Matemática da Comunicação), a Teoria da InformaçãoPara ele, a informação está presente sempre que um sinal é transmitido de um lugar para outro, não importa que tipo de sinal seja.  Disto permito-me discordar um tanto: não necessariamente está; há apenas a possibilidade de estar.

Vejamos um exemploEm Janeiro de 1997, eu passava férias com minha então esposa em uma praia ao norte de Salvador.  Os anfitriões eram dois casais de amigos recentes e naquela manhã fomos a uma praia chamada Interlagos, se não me enganoDia claro, praia deserta e Sol fortíssimo, procuramos um abrigo para as esposas na areia escaldante e fomos os homens jogar futebol, coisa de doido naquela quentura.  Quinze minutos bastaram e os três então se lançaram à água.  O mar batia um pouco, as ondas não eram fracas e logo um disse que ia fazer companhia às mulheres.  Continuamos os dois ali na beirada, água pela cintura, numa pequena luta com as ondas.  Alguns minutos depois, meu amigo comentou alguma coisa sobre elas estarem começando a bater forte e eu respondi algo sobre estar precisando daquilo, uma espécie de vigorosa massagem.  Com a água pouco acima da cintura, começamos a subir e descer com as ondas, o que sempre gostei de fazer.  Uma, duas e na terceira não havia chão sob meus pés.  Olhei para trás e vi meu amigo lutando furiosamente para alcançar a praia, o que conseguiu com muito esforço.  Tentei voltar com tranquilidade, mas não avançava um centímetro sequer;  acelerei, mas não adiantou.  O pior era o fato de as ondas quase não deixarem tempo para respirar: quebravam sobre mim, uma pancada sobre a outra, e fui ficando cansado, num óbvio déficit de oxigênioQuando vi que minha situação era grave, parei, com aquele início de pânico tentando me tomar.  Olhei para a direção em que imaginava estar a praia e vi meu amigo ali na beirada, ofegante e aflito comigo, pequeno ao longe, gritando algo a uma distância que me parecia imensa.  Fiz sinais para ele balançando o braço sobre a cabeça, dedo indicador apontado para cima, (uma indicação de negativa), enquanto gritava “Não vai dar!”  Fiz isto por duas ou três vezes, enquanto o via olhar ao redor, confuso.  O pouco de serenidade racional que me restava pareceu sublimar-se sob aquele Sol imenso e fiz então algo inesperado, mas que simplesmente brotou como o que agora sei ser uma expressão do melhor de mim mesmoem vez de lutar em desespero para voltar, virei-me para o mar aberto por alguns segundos e olhei ao longe antes de dizerMeu Deus, me ajude...”.  E movido apenas pelo desejo de voltar, vazio de pensamentos, parei de lutar e deixei-me levar ao mar largo, retornando a nadar, se é que se pode chamar de natação o fato de ser jogado para baixo e para os lados, a rolar, tendo de vez em quando o raro e improvável privilégio de poder respirar por um ou dois segundosNão sei quanto tempo isto durou, pois, como disse, há contextos onde nossa capacidade de avaliação é inadequada.  O fato é que, em uma das vezes em que emergi, vi dois rapazes magrinhos, calções vermelhos e camisetas brancas, juntando-se em correria ao meu amigo.  Neste exato momento senti alguma coisa sob meus pés, parecia e era a ponta de uma pedra ou recife.  O que consegui fazer a seguir também me parece improvável até hojemeus pés não se apoiaram, eles agarraram aquela bendita rochaNão sei como isto foi possível, meu corpo quase todo submerso, apenas nariz e boca para fora entre as ondas; mas foi o suficiente para que respirasse um pouco em minha exaustãoEu estava perto!

O restante foi uma heróica operação em que os dois rapazes, entrados na água e munidos apenas de uma velha bóia marítima, uma precária corda de apenas 4 ou 5 metros e muita coragem e determinação, conseguiram lançar minha salvação a uma distância de uns oito ou dez metros, que cobri também sem dar-me conta dela (devo-lhes a vida e meu eterno agradecimento, fato que mais tarde registrei nos diários da Marinha local: eles eram salva-vidas.  Também os presenteei com o suficiente para que comprassem mais cordas, uma máscara e pés-de-pato).  Meia hora depois de ter chegado à praia eu ainda tinha dificuldades para respirar e, deitado na areia, não tinha forçasMeu amigo tentava me confortar e explicava sua aflição: “Foi difícil Eu quase não consigo!  Depois fiquei te procurando, você sumia, eu ficava desesperado, procurava um pau, alguma coisa prá te jogar, você aparecia, sumia de novo, acho que uns 20 minutos...  Uma hora comecei a gritar: você precisa de ajuda?!  Precisa de ajuda?!!  vi você fazer assim (repetiu meu gesto) e achei que você estava bem...”.  Bem, hoje penso que foi bom meu esgotamento ter me impedido de falar por duas horas...

Recapitulemos:  um sinal (meu gesto; o grito foi abafado pelas ondas) foi enviado numa direção.  Ele passou por receptores desatentos: as três mulheres e o terceiro homem sequer perceberam uma fração dos acontecimentos, mesmo diante deles.  O sinal chegou a um outro receptor, que o captou, transformando-o em dado.  No entanto, este receptor, no que seria o passo seguinte, mesmo diante desta circunstância dramática, interpretou-o de maneira oposta, desperdiçando a chance de transformá-lo em informação útilNãocerteza de que este mesmo sinal tenha chegado aos outros dois receptores, os salva-vidas; entretanto, qualquer que tenha sido o sinal recebido por eles, em infinitésimos de segundo ele passou para dado e então para informação útil para uma tomada de decisão e ação imediatas.  Neste caso e neste contexto, podemos pensar em informação como dados que fizeram a diferença.

Em seu livro, Davenport descreve informação como mensagem, seja documento, comunicação, audível ou visível, tendo como tal um emitente e um receptor: informar é dar forma, visa modelar a pessoa que a recebe no sentido de fazer alguma diferença em sua perspectiva ou insight.  O receptor, não o emitente, decide se a mensagem recebida realmente constitui informação, isto é, se ela verdadeiramente informa.

Eu que o diga!

Aferições quantitativas de gestão de informação nas organizações tendem a incluir conectividade e transações:  quantas contas de e-mail ou usuários temos?  Quantas mensagens foram enviadas num período?

Aferições qualitativas medem a “informatividade” e a utilidade:  a mensagem trouxe um novo insightEla ajuda a extrair significado de uma situação e contribui para a decisão ou solução de um problema?

Informação, diferentemente de dado, tem significado (como diz Peter Drucker, relevância e propósito).  Ela não “dá forma” ao receptor,  ela também tem forma:  está organizada para alguma finalidadeDados tornam-se informação quando o seu criador, o receptor dos sinais, trabalha e lhes acrescenta significado.

Transformamos dados em informação agregando-lhes valor de diversas maneiras, a mais comum delas sendo a contextualização.

No início da Televisão, muitos diziam que o novo meio de comunicação elevaria o nível do discurso cultural e político de uma nação.  Sabemos bem o que na realidade tem acontecido, donde é possível concluir que dispor da tecnologia mais sofisticada não implica necessariamente em obter melhor informação.