O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (34)

Artigo 98, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jul 2014

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Se Darwin abria caminhos para a compreensão da diversidade e origem das espécies e de seus relacionamentos, já Engels e Marx (que continuariam a citá-lo em suas correspondências e em muitos momentos de suas obras) o faziam na direção de compreender e demonstrar os fundamentos das relações no interior de uma destas espécies em particular, a humanidade.

O exuberante êxito material do capitalismo industrial inglês fazia com que a sociedade vitoriana na época de Darwin e Marx (a Inglaterra da Rainha Vitória) se julgasse superior a todas as suas antecessoras.  Da mesma forma, para a filosofia de Hegel o momento culminante da história era o capitalismo liberal.

Assim como Marx e Engels viam nos trabalhos de Darwin a base científica, na história da natureza, para suas teses a respeito da evolução das relações econômicas e sociais da humanidade, assistiam também à sua maliciosa apropriação e deturpação por parte do sistema capitalista.

A teoria de Darwin era um trabalho de concepção materialista realizado num ambiente cultural em que o materialismo não era pacificamente aceito, sendo considerado, pelas elites, politicamente perigoso e mesmo subversivo.

Como já vimos aqui, era mais um capítulo do embate entre fé e razão, agora mais explicitamente exposto pelas motivações de domínio social: enquanto Darwin trabalhava na elaboração de suas pesquisas, a Inglaterra passava por intensas ações de massas populares, entre 1838 e 1848, com protestos políticos e greves da classe trabalhadora, levando as elites a temerem uma mudança revolucionária.

Embora tivessem origens relativamente equivalentes, Darwin, Engels e Marx, filhos de classe média abastada (mais Darwin do que Marx), tinham compromissos de classe diferentes.  Darwin nunca se envolveu em ativismo político: seu trabalho em ciência era revolucionário, ele não.  Já Marx e Engels desde cedo tinham optado pela defesa decidida da classe trabalhadora.

Em Junho de 1859 (portanto cinco meses antes de Sobre a Origem das Espécies, de Darwin), Marx publicou em Londres sua Contribuição à Crítica da Economia Política, um trabalho maduro em que, após 15 anos de investigação científica, realizava uma análise crítica da economia política vigente.  Seu objetivo original era uma extensa obra sobre economia, de que este seria o primeiro fascículo.

Marx investigava a base material das sociedades industrializadas, suas relações internas, sua origem e leis de desenvolvimento, considerando isto uma preparação para a crítica da sociedade burguesa como um todo, em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e ideológicos, numa rede de correspondências e conexões.

A dinâmica da vida levou-o a modificar o projeto de fascículos, resultando num trabalho que veio a ser conhecido como O Capital, que teve seu primeiro volume publicado em 1867, seguramente uma das obras mais importantes da modernidade.

O que Marx mais admirava em Darwin era o fato de que este havia descoberto na natureza leis semelhantes às que ele mesmo havia encontrado para a história humana; havia claramente uma ponte entre o materialismo de Darwin para as ciências da vida e o materialismo dialético para a investigação da história das sociedades no tempo.  Para Marx, as produções ideológicas dos homens guardavam um vínculo de

dependência com relação à produção de sua vida material, sua subsistência.

Ao prefaciar sua Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859, Marx assim resumia sua teoria materialista da história:

“...na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações – necessárias – independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais.  ...O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual.  Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.  Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou – o que é apenas uma expressão jurídica delas – com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido.  De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas.  Ocorre então uma época de revolução social.  ...Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha.  Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma consideração mais rigorosa, verificar-se-á sempre que a própria tarefa só aparece onde já existem – ou pelo menos estão no processo de formarem-se – as condições materiais da sua resolução.  Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas progressivas da formação econômica e social.  As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo social da produção, antagônica não no sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo.  Com esta formação social encerra-se, por isso, a pré-história da sociedade humana”.

As descobertas de Marx e Engels, como veremos, não eram triviais.