O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (38)

Artigo 102, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Nov 2014

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Em Setembro de 1909, como convidado da Clark University, Massachusettts, EUA, Sigmund Freud proferiu cinco conferências sobre o método psicanalítico desenvolvido em suas pesquisas nas duas décadas anteriores.

Iniciou-as abordando as experiências de Josef Breuer com sua jovem e talentosa paciente, Bertha Pappenheim, que sofria do que era então entendido por histeria.  Lembrou que os estados de ausência da paciente eram com frequência acompanhados de palavras murmuradas, que aparentemente tinham alguma relação com suas preocupações e pensamentos.  Sob hipnose, ela foi induzida por Breuer a associar ideias a essas palavras; a expressão destas ideias, fantasias e sentimentos produziam alívio e “normalidade” na paciente pelo resto do dia.  O estado de ausência retornava posteriormente, sendo afastado pelo mesmo procedimento, a que ela chamou “cura de conversação".  Certa vez, quando expressou claramente, mesmo sob hipnose, a origem de sua rejeição a beber água e despertou enquanto a bebia, “esta perturbação desapareceu definitivamente”.  Estava aberto um caminho para a compreensão e resolução de outros sintomas e “traumas psíquicos”, que Freud entendia como reminiscências, resíduos e símbolos de experiências traumáticas.  Aos “agrupamentos mentais” que sugeriam dois estados de consciência independentes entre si, uma “dupla consciência”, ele denominou “consciente” e “inconsciente”.

Na busca de uma explicação para a forma de operar do inconsciente, Freud propôs uma estrutura.  Recorreu à imagem do “iceberg”, em que o consciente corresponde à parte evidente, emersa, e o inconsciente à parte não visível, submersa.  Ele queria estudar o que levava aos sintomas psicossomáticos (simultaneamente psíquicos e orgânicos), em especial a histeria, para o que os conceitos de inconsciente, pré-consciente e consciente eram o bastante.  Mais tarde, porém, atento para a maneira como se dava o processo da repressão, adotou os conceitos de id, ego e superego.

Freud revelou que logo se cansou do uso da hipnose, pouco efetiva.  Procurou tratar seus pacientes num estado “normal” de consciência, baseado numa experiência conduzida por outro pesquisador, Bernheim, que demonstrara ser possível aos pacientes hipnotizados lembrarem-se das ações realizadas sob hipnose.  Contudo, tinha ainda que descobrir como lidar com a “resistência” dos pacientes às lembranças que mantinham no inconsciente.  Supôs, com sucesso, que esta força era a mesma que originalmente havia expulsado os fatos

(lembranças) do consciente, chamando então a este processo de “repressão”.

Entendeu que a origem estava no surgimento passado de um desejo intenso, porém, em conflito com outros desejos e padrões morais ou estéticos do paciente, luta que resultava na sua expulsão da consciência, junto com as possíveis lembranças; a “incompatibilidade entre a ideia e o ego (eu) do paciente motivava a repressão”, que buscava evitar a dor ou desprazer do conflito, uma forma de “proteção da personalidade psíquica”.  O uso da hipnose encobria a resistência, logo, dificultava o acesso às reminiscências do inconsciente e à origem dos traumas, de que a resistência poderia dar pistas valiosas.  A repressão inevitavelmente falhava, pois ela apenas expulsa a ideia, o desejo, para o inconsciente; “mas o impulso desejoso continua a existir no inconsciente à espreita de oportunidade para se revelar”, na forma de um substituto disfarçado lançado à consciência e igualmente doloroso, o sintoma, um sofrimento interminável, pois irresoluto.

Pelo tratamento psicanalítico desvenda-se o trajeto ao longo do qual se realizou a substituição, e para a recuperação é necessário que o sintoma seja reconduzido pelo mesmo caminho até a ideia reprimida.  Uma vez restituído à atividade mental consciente aquilo que fora reprimido — e isso pressupõe que consideráveis resistências tenham sido desfeitas — o conflito psíquico que desse modo se originara e que o doente quis evitar, alcança, orientado pelo médico, uma solução mais feliz do que a oferecida pela repressão.  Há várias dessas soluções para rematar satisfatoriamente conflito e neurose, as quais, em determinados casos, podem combinar-se entre si.  Ou a personalidade do doente se convence de que repelira sem razão o desejo e consente em aceitá-lo total ou parcialmente, ou este mesmo desejo é dirigido para um alvo irrepreensível e mais elevado (o que se chama "sublimação" do desejo), ou, finalmente, reconhece como justa a repulsa.  Nesta última hipótese o mecanismo da repressão, automático, por isso mesmo insuficiente, é substituído por um julgamento de condenação com a ajuda das mais altas funções mentais do homem — o controle consciente do desejo é atingido”.

Freud mostrou que nem sempre era fácil obter pistas por meio das revelações dos pacientes:

Duas forças antagônicas atuavam no doente; de um lado, o esforço refletido para trazer à consciência o que jazia deslembrado no inconsciente; de outro, a resistência impedindo a passagem para o consciente do elemento reprimido ou dos derivados deste.  Se fosse igual a zero ou insignificante a resistência, o olvidado se tornaria consciente sem deformação.  Podemos admitir que seja tanto maior a deformação do elemento procurado quanto mais forte a resistência que o detiver.  O pensamento que no doente vinha em lugar do desejado tinha origem idêntica à de um sintoma; era uma nova substituição artificial e efêmera do reprimido e tanto menos semelhante a ele quanto maior a deformação que tivesse de sofrer sob a influência da resistência.  Ele devia mostrar, porém, certa parecença com o procurado, em virtude da sua natureza de sintoma; e desde que a resistência não fosse muito intensa, seria possível, partindo da ideia, perceber o oculto que se buscava.  O pensamento devia comportar-se em relação ao elemento reprimido com uma alusão, como uma representação do mesmo por meio de palavras indiretas.  Conhecemos, no domínio da vida psíquica normal, exemplos em que situações análogas às que admitimos produzem resultados semelhantes.  É o caso do chiste (a piada).  O problema da técnica psicanalítica forçou-me a estudar o mecanismo da formação das pilhérias”.