O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - sabedoria

Artigo 64, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Set 2011

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Completando esta breve jornada em que abordamos a transformação progressiva de sinal a dado e então informação até conhecimento, atrevo-me aqui a dar o passo seguinte e ponderar um tanto sobre sabedoria.

cerca de 2.500 anos, Ésquilo (525 a.C.-455a.C., grego), dramaturgo, poeta e soldado, dizia quesábio não é aquele que conhece muitas coisas, mas o que conhece coisas úteis”.

Sabedoria vem de “saber”; em Latim, língua mãe de nosso Português, “sapere” é “saber, ter sabor, sentir por meio do gosto, ter inteligência, compreender”.

Vou aqui relembrar um pensamento de Albert Einstein já citado nos artigos “Democracia e Utopia” (Jan 2009) e “Conclusões: O Imaginar” (Ago 2009): “Em tempos de crise só a imaginação é mais importante que o conhecimento”.

Dito de uma forma mais poética, nas palavras de Marcel Proust (1871-1922, francês, escritor e crítico literário, conhecido por sua obra "Em busca do tempo perdido"), “a verdadeira viagem de descoberta não consiste em sair à procura de novas paisagens, mas de possuir novos olhos”. 

Uma observação de H. Mumford Jones (1892-1980, estadunidense, educador e crítico) diz quenossa era se orgulha de máquinas que pensam e desconfia de homens que tentam fazê-lo”.  Ela é corroborada pela frase de B. F. Skinner (1904-1990, estadunidense, psicólogo e autor), quando diz quea verdadeira questão não é se as máquinas pensam, mas se os homens o fazem”.

Vamos então dar um salto de 2.000 ou 2.400 anos para trás e considerar dois outros criadores, um deles filósofo e professor, nascido na Grécia, o outro filósofo, carpinteiro e professor, nascido na Palestina, ambos mártires e agentes de profundas transformações.

O primeiro resumiu seu conhecimento na frase: “Conhece-te a ti mesmo”.

O segundo, na frase: “Amai-vos uns aos outros como vos amei”.

Agora me permitam compartilhar uma experiência pessoal, mais uma, um sonho que tive uma semana antes de meu 50º aniversário.

Embora já estivesse conformado, eu ainda sentia certa tristeza pela morte, em Novembro de 1999, de um amigo querido, queridíssimo.  Num domingo havíamos jantado com ele e a esposa em minha casa, para comemorarmos o aniversário de minha então mulher.  Ambos passávamos por mudanças importantes em nossas vidas e contei a ele que eu estava a um passo de me dedicar a um antigo sonho, que era o de vir a ler e escrever mais dedicadamente e me sentir escritor.  As dificuldades por que ele passava eram então maiores do que as minhas, mas me lembro que antes

 de se despedir ele ainda disse, olhando-me nos olhos: “Fabião, vá seguir o seu sonho”.  Na terça, consumando um antigo temor seu, um infarto o fulminou aos 58 anos.

Bem, em uma madrugada de Março de 2000, um domingo, tive este sonho:

O sonho de 12 de Março, domingo, 2000

Cidade estranha, (preciso) pegar ônibus para chegar em casa, não sei o endereço, vou (este é um sonho recorrente anos).

Encontro com pessoas que vão criar uma espécie de “clube” (ou associação), estou em um salão.

Primeiro, vejo a moça solitária sentada com a filha pequena (5 anos?) no colo, várias cadeiras vazias ao redor; fico interessado pela moça, masnão posso”.  Conversamos sobre o encontro que vai haver dali a pouco, a necessidade, o esforço, fazer o “clube”.  Ela conclui com um lamento: “Infelizmente não é coisa pra pobre...”.

Depois, chegando mais gente, recomeço a conversar, observo a minha fala, discurso, que vai me empolgando.  Enfim, vejo-me em falando a todos, mais gente chegando, a fala entusiasmada:
há duas coisas (mostro os dedos, mão esquerda) importantes (na vida):  a primeira é olhar para si, para dentro, para encontrar tudo que está ali, o que somos (e revelá-lo);  (agora menos pessoas) a segunda são as relações que criamos com as pessoas, eu com você (mão esquerda, meu dedo indo e vindo na direção de cada um), eu com você, eu com você (a moça, o velho, a mulher, cada um momentaneamente em close), ...porque as pessoas que não criam relações com as outras... o que acontece?... (dando uma deixa)

Criam amigos imaginários para conversar...”, responde a moça.

Para além disso (eu continuo, ao olhar para ela), elas relacionam-se com... (olhando os outros, pausa para resposta que não vem) ...com coisas (enfatizo agora, gesticulando), as pessoas as animam!!

Sinto que não quero tomar a palavra dos outros (isto me aflige, quero que possam falar, que falem!).  No meio da minha fala havia bastante gente, quase todas as cadeiras ocupadas, agora são poucas, nem metade, eu preocupado em não me estender, mas continuo falando, quero continuar na reunião mas olho preocupado o relógio, me desculpo por ter que ir a outra reunião em outra sala, e fico nesse querer ficar e querer não faltar ao outro compromisso e acordo cansado pelo esforço de falar tanto e tão veementemente...

Nos dias imediatos ao sonho pensei que talvez meu amigo quisesse falar comigo ou através de mim.  Ao refletir fui me lembrando de princípios que cultivomuito tempo, valores que a minha experiência pessoal e meu conhecimento foram enraizando em mim; e lembrei-me dos dois filósofos: os valores fundamentais de minha vida são apenas dois e foram enunciadosmais de dois mil anos...  Um sonho e tanto!

Se conhecimento é a foto, sabedoria é o filme.

No dizer de Sandra Carey, escritora, “não devemos jamais confundir conhecimento com sabedoria; um ajuda a ganhar a vida, o outro a construí-la”.