O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (55)

Artigo 119, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Abr 2016

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Em meados do século 19 a busca frenética por descobrir novos elementos químicos na natureza já havia revelado cerca de 60 deles.  Nesta área do conhecimento apenas um desafio a superava: o da compreensão de uma possível relação entre os elementos.

O que diferenciava um elemento do outro?  Quais seriam suas estruturas?  Por que se comportavam de maneira peculiar?  Haveria algum tipo de previsibilidade nos elementos?  Alguma relação mais profunda entre eles?

Filho de um modesto cocheiro, desde cedo Johann Wolfgang Döbereiner (1782-1849, alemão) manifestara imensa curiosidade, endereçando-a à ciência à medida que crescia.  Logo trabalhou como farmacêutico, frequentando assiduamente as conferências públicas disponíveis sobre ciência.

Autodidata, desenvolveu tal conhecimento químico que despertou a atenção do Duque de Weimer, o que lhe valeu uma nomeação para a Universidade de Jena em 1810.  Suas palestras eram tão estimulantes que mesmo Goethe, escritor, e Schopenhauer, filósofo, tornaram-se constantes frequentadores.

Em 1829, Döbereiner havia percebido que certas propriedades do então recém-descoberto elemento bromo (Br), como cor e reatividade, pareciam situar-se entre as dos já conhecidos cloro (Cl) e iodo (I), inclusive seu peso atômico, que correspondia à média destes dois.

Estudando a lista dos elementos já conhecidos, observou situações semelhantes com o sódio (Na), que podia ser situado entre o lítio (Li) e o potássio (K), e ainda dois outros grupos: o estrôncio (Sr), entre o cálcio (Ca) e o bário (Ba); e o selênio (Se), entre o enxofre (S) e o telúrio (Te).

Notou que se agrupasse certos elementos em trincas, com propriedades químicas bem próximas, um padrão poderia ser extraído: conforme a ordenação, sua reatividade era crescente, por exemplo, com relação à água ou o ar, assim como seu peso atômico relativo.

Sentiu-se induzido assim a criar o conceito de tríades, quando eram então conhecidos 54 elementos químicos; mas sua atenção não estava focada nos pesos atômicos e sim nas propriedades e nas reações químicas dos elementos.

Entretanto, embora tenha constituído uma boa tentativa de se encontrar alguma regularidade na série de elementos conhecidos, este conceito não prosperou, pois nenhuma outra sequência foi localizada.

Em 1859, uma nova maneira de detectar elementos, para além das reações químicas ou da eletrólise, foi criada graças às pesquisas de Robert von Bunsen (1811-1899, alemão) e Gustav Kirchhoff (1824-1887, alemão).

Ela revelou-se extremamente útil por permitir a identificação de elementos em quantidades muito reduzidas de (e nas) amostras (elementos traços).

Bunsen, químico e experimentador, havia criado em 1856 um dispositivo queimador de gás, depois conhecido como Bico de Bunsen e utilizado até hoje, que produzia uma chama praticamente incolor.

Desde Isaac Newton sabia-se que a luz branca, como a luz do Sol, decompõe-se ao atravessar um prisma cristalino, formando um espectro completo em várias cores, como um arco-íris.  E já no início do século 19, William Wollaston (1766-1828, inglês) e Joseph von Fraunhofer (1787-1826, alemão) haviam estudado a decomposição da luz solar e de outras estrelas.

Bunsen sabia que cada elemento queimado na chama produzia uma cor característica: verde para o cobre, coral para o estrôncio, azul para o potássio etc.

Ele procurava descobrir se cada elemento exibiria uma cor exclusiva, assim ele e Kirchhoff, então seu jovem colaborador, passaram a trabalhar nessa hipótese.

Kirchhoff, físico, considerando a decomposição da luz, criou um aparelho que arranjava um prisma entre dois pequenos telescópios, dispositivo que se tornou depois conhecido como espectroscópio.

Passaram a analisar materiais diversos neste novo engenho, queimando-os e observando a passagem da luz produzida pelo prisma.

Assim, por exemplo, a luz produzida pela queima de sódio atravessava o primeiro telescópio, era decomposta pelo prisma e atravessava o segundo telescópio, sendo então ali diretamente observada.  Mais tarde passaram a projetá-la sobre um anteparo, o que tornava mais segura a observação (Bunsen já havia perdido um olho numa explosão em outra experiência).

O que eles viram no caso do sódio foram apenas duas linhas espectrais alaranjadas.

As sucessivas experiências evidenciaram que estas linhas espectrais eram distintas e exclusivas para cada elemento, uma espécie de assinatura; assim, a simples análise das linhas espectrais permitia determinar a natureza do elemento, o que logo lhes possibilitou a identificação de dois novos elementos em 1860: césio (Cs) e rubídio (Rb).

Quase todas as informações sobre as propriedades físicas das estrelas são hoje obtidas, de forma direta ou indireta, por meio de seus espectros, principalmente temperaturas, densidade e composições.

Desta maneira, quando em 1860 Robert von Bunsen e Gustav Kirchhoff desenvolveram a espectroscopia, evidenciando que cada elemento possui uma propriedade característica quanto à luz emitida, abriu-se enfim um caminho para a demonstração decidida da teoria atômica.

Com esta tecnologia, a lista de novos elementos alongava-se com segurança rapidamente, até que em 1870 atingiria 64 elementos, a demonstrar para além de qualquer dúvida razoável que as ideias básicas dos atomistas como Berzelius e Dalton estavam corretas.

Havia cada vez mais perguntas no ar.  Ao lado de uma incômoda imprecisão de termos e conceitos, crescia a busca por um padrão oculto entre os elementos.