O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (57)

Artigo 121, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jun 2016

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Em meados do século 19, a produção intensa de trabalhos decorrentes das pesquisas de químicos e de físicos, já separados em campos de ciência distintos, não só ampliava os conhecimentos e os horizontes sobre a natureza e a constituição da matéria no universo então conhecido, mas tendia também a aumentar o seu grau de dispersão por conta das imprecisões de termos e de conceitos.

Como vimos, desde um século antes as pesquisas progrediam com rapidez, trazendo a descoberta de muitos novos elementos químicos e relações de combinações entre eles (teorias, leis), como as proporções constantes (Proust), proporções múltiplas e teoria atômica (Dalton), reações dos gases (Gay-Lussac) e mesmo a teoria molecular (Avogadro) e o conceito de valência (Couper e Kekulé).

Os fenômenos elétricos, como os raios em uma tempestade, sempre aterrorizaram e fascinaram a humanidade e, como abordado no artigo anterior, a esta altura os trabalhos de Öersted, Ampère, Ohm e Faraday já haviam revelado uma relação entre a eletricidade e o magnetismo, iniciando o campo da Física que trata do eletromagnetismo.

Tales de Mileto, no século 6 a.C., já observara que um pedaço de âmbar (resina vegetal fóssil de cor amarelada), quando atritado contra um tecido ou pele, adquiria o estranho poder de atrair pequenos objetos leves.  Há muito tempo nas escolas isto é ensinado pela experiência do pente, atritado com pano ou no cabelo, que passa a atrair pequenos fragmentos de papel.  Não por acaso, âmbar em grego é “elektron”, daí o termo eletricidade.

Como temos lembrado aqui, físicos e químicos, na busca pela compreensão da matéria, com frequência recorreram ao uso da eletricidade, mesmo sem lhe conhecerem a natureza.

Nesse caminho, em 1857 uma importante via de investigação foi ampliada por Heinrich Geissler (1814-1879, alemão).

Físico e habilidoso construtor de instrumentos científicos, Geissler criou, baseado nos trabalhos do italiano Evangelista Torricelli (inventor do barômetro em 1643), um dispositivo que consistia em um tubo de vidro usado para descargas elétricas em gases sob baixa pressão.

Este instrumento, veremos mais tarde, viria a futuramente dar origem aos tubos de luzes de neon e a outro dispositivo mais elaborado, a chamada ampola de Crookes, que levaria à descoberta do elétron e às válvulas e tubos para rádio e tv.

O tubo de Geissler era fechado, com um eletrodo em cada ponta e um gás rarefeito em seu interior.

Tendo alcançado um vácuo mais eficiente que seus antecessores, ele notou dois fatos:

(1) a descarga no tubo com gás rarefeito não produzia o mesmo ruído barulhento de quando ali havia ar em pressão ambiente (sabemos hoje que o som não se propaga no vácuo);

(2) uma luminosidade surgia no tubo e sua cor dependia da natureza do gás usado, de sua pressão e da voltagem empregada.

Este aparato melhorado de Geissler propiciou a retomada acelerada das pesquisas com gases e descargas elétricas, trazendo muitas novidades, como as observadas pelo físico alemão Julius Plücker (1801-1868).

Em 1858, Plücker notou que os raios gerados pelo cátodo (por convenção, o eletrodo – ou polo – negativo) do tubo podiam ser desviados pela aplicação de um campo magnético.  Plücker então só conseguiu concluir que tais raios não poderiam ser uma forma de luz, já que a luz não era desviada pela presença de um campo magnético.  Durante um longo tempo ninguém conseguiu elucidar este mistério, que permaneceria por cerca de quatro décadas.

Nesse mesmo ano de 1858, o químico italiano Stanislao Canizzaro (1826-1910), retomando os trabalhos de Gay-Lussac e Avogadro sobre gases, desenvolveu sua tabela de elementos químicos conhecidos, a eles associando respectivos pesos atômicos e moleculares.  O trabalho de Canizzaro trouxe enfim o devido reconhecimento aos dois cientistas, retardo decorrente da grande dispersão de métodos, conceitos e termos, muitas vezes contraditórios, então utilizados pelos pesquisadores.

A iniciativa de buscar um consenso, uma plataforma comum a todos os interessados, coube ao químico August Kekulé (alemão, já nosso conhecido) que, auxiliado por dois outros químicos, Adolphe Wurtz (francês, idem) e Karl Weltzien (1813-1870, alemão), propôs, convocou e organizou o primeiro grande encontro internacional de químicos, que veio a ser conhecido por Congresso de Karlsruhe, realizado no início de setembro de 1860 nessa cidade alemã.

Este Congresso, a que compareceram mais de uma centena de cientistas de doze países em vários continentes, destinava-se a um grande esforço de definição de assuntos relativos à linguagem e representações químicas como nomenclatura, notação, massas atômicas, diferenças conceituais entre átomos e moléculas.

Uma circular enviada com o convite aos participantes indicava textualmente:

O grande desenvolvimento que teve a Química nesses últimos anos e as divergências manifestadas nas opiniões teóricas tornaram oportuna e útil a realização de um congresso, tendo como objetivo a discussão de algumas questões importantes do ponto de vista dos progressos futuros da Ciência.

... Tal assembleia não poderia tomar resoluções ou deliberações obrigatórias para todos, mas, por meio de uma discussão livre e aprofundada, ela poderia acabar com certos mal-entendidos e facilitar um entendimento comum a respeito de alguns dos seguintes pontos:

• Definição de noções químicas importantes, como as que são exprimidas pelas palavras: átomo, molécula, equivalente, atômico, básico;

• Exame da questão dos equivalentes e das fórmulas químicas;

• Estabelecimento de uma notação e de uma nomenclatura uniformes.”

Era um importantíssimo passo adiante que, como veremos, transcendeu seus objetivos iniciais.

Passada a etapa romântica e puramente heroica da ciência, o trabalho científico, como de resto todas as atividades humanas, demandava cooperação.