A
criação do conhecimento é um esforço coletivo; ninguém o constrói sozinho.
Ninguém sabe tudo, todo mundo sabe alguma coisa: esta é a essência da árvore
do conhecimento.
Ao iniciar o
segundo volume de Os Princípios da Química, sua obra-prima, Dmitriy
Mendeleev, já com dois capítulos escritos, deteve-se diante da questão que
desafiava a ciência há gerações. Seria possível organizar os elementos
químicos de maneira cientificamente coerente, de acordo com alguma regra
ainda inexplorada?
Somente 14 elementos eram conhecidos antes de 1701, e no decorrer do século
18 mais 19 deles foram descobertos. Já no século 19, apenas entre 1801 e
1849, mais 26 vieram juntar-se à lista (e até 1900 mais 23 seriam
descobertos).
No
momento em que Mendeleev escrevia, início de 1869, havia 63 elementos
químicos conhecidos. Como organizá-los e sob qual critério?
Os
antecedentes deste empenho eram múltiplos, variados e antigos.
John
Dalton, pai da moderna teoria atômica (v. artigo de Ago 2015), havia em 1803
publicado uma lista, ordenada exclusivamente por peso atômico, com 20
elementos, sem aventar qualquer relação entre eles.
Em
1817 Johann Döbereiner notara certas regularidades entre alguns elementos,
que denominou tríades (grupo de três elementos), publicando em 1829 (v.
artigo de Abr 2016) uma classificação inicial. Numa tríade, p. ex. Cl
(cloro), Br (bromo), I (iodo), além das propriedades químicas serem
semelhantes, o peso atômico do elemento central era aproximadamente a média
dos outros dois.
Antoine J. Balard (1802-1876, francês), que em 1826 descobrira o bromo,
havia previsto que este formaria uma tríade com o cloro e o iodo.
A
ideia de tríade prosseguiu com Leopold Gmelin (1788-1853, alemão), que em
1843 anunciou, em seu próprio livro de química, mais algumas delas,
aprofundando os estudos de Döbereiner e entrevendo outras relações entre
pesos atômicos.
Esses
estudos foram levados adiante por Peter Kremers, alemão, que em seus
trabalhos de 1852 e 1856 sugeriu que alguns elementos poderiam pertencer a
duas tríades, desde que a segunda fosse perpendicular à primeira. Ao
considerar uma relação horizontal e assim comparar elementos em duas
direções, abriu uma nova perspectiva.
De certa
forma, Kremers adotava a ideia de Germain I. Hess (1802-1850, russo-suíço),
que já em 1849, em seu livro Fundamentos da Química Pura, introduzira
o conceito de ‘família’ de elementos químicos, descrevendo quatro grupos de
não metais com propriedades químicas semelhantes: F, Cl, Br, I; O, S, Se,
Te; B, C, Si; N, P, As. Hess então alertara, profético: “Essa
classificação, todavia, está longe de ser natural; porém, unindo-se
elementos e grupos muito parecidos, ao ir se ampliando nossos conhecimentos,
ela poderá ser aperfeiçoada”.
Em
1857, Ernst Lenssen, alemão, ainda insistia na ideia de tríades, tendo
publicado um artigo em que considerava ter descoberto 20 novas delas, que
arranjariam 58 elementos conhecidos, algo um tanto forçado, pois muitos
elementos não se encaixavam bem nessa proposta.
Nesse mesmo
ano, William Odling (1829-1921, inglês) publicava uma tabela com 49
elementos arranjados em 13 grupos, muitos deles tríades, segundo o peso
atômico relativo. Em 1864, com 57 elementos distribuídos em 17 grupos de
acordo com suas valências, Odling anunciou um sistema de classificação dos
elementos unindo-os em grupos com propriedades análogas (propriedades estas
dos seus compostos) e seguindo também a ordem crescente de seus pesos
atômicos.
Entretanto, outros pesquisadores experimentavam caminho diverso.
Jean-Baptiste
Dumas (1800-1884, francês) havia se afastado da ideia de tríades, tendo, em
1851, focalizado o estudo de um conjunto de equações matemáticas bastante
especulativas, trabalho publicado em 1858, que
procurava explicar o aumento do peso atômico entre vários grupos de
elementos quimicamente análogos.
Ainda em 1858,
um trabalho de Max Joseph Pettenkofer
(1818-1901, alemão), também abordava uma possível |
relação
numérica entre pesos atômicos de elementos quimicamente semelhantes.
Pesquisa
similar era conduzida por Josiah Parsons Cooke (1827-1894, estadunidense),
que em 1854 publicara artigo sobre uma relação numérica entre pesos atômicos
em que era possível perceber, ainda que de maneira vaga e imperfeita, uma
antecipação de um sistema periódico (ou seja, uma estrutura repetitiva) de
classificação.
Essa linha de
pesquisa era reforçada pelo trabalho de Adolph Strecker (1822-1871, alemão),
que em 1859 evidenciara as semelhanças químicas entre o Fe, o Co e o Ni,
naquela que é hoje conhecida como a primeira fileira dos metais de
transição.
Mas um
significativo passo foi então dado pelo geólogo Alexandre De Chancourtois
(1820-1886, francês) em 1862: usando os novos valores de pesos atômicos
obtidos por Cannizzaro em 1858, e apresentados no Congresso de Karlsruhe em
1860 (v. artigo de Jul 2016), ele dispôs todos os elementos conhecidos num
arranjo tridimensional, segundo uma espiral crescente.
Numa
classificação que ficou conhecida como Parafuso Telúrico (o elemento telúrio
– Te – estava próximo ao centro do diagrama), pela primeira vez alguém
reconhecia uma periodicidade (repetição a intervalos regulares) nas
propriedades químicas dos elementos.
Era
um sistema complexo, que ordenava os elementos sobre um cilindro vertical,
conforme o aumento do peso atômico, ao longo de uma espiral com 45° de
inclinação em relação à base. A circunferência do cilindro era dividida em
16 seções, de tal forma que, ao cabo de uma volta, encontrava-se o elemento
oxigênio (O) sobre a linha. Na segunda volta, o enxofre (S) surgia acima do
oxigênio e assim por diante com selênio, telúrio etc: os elementos
verticalmente alinhados tendiam a apresentar propriedades semelhantes.
Chancourtois submeteu seu trabalho à Academia Francesa de Ciências, que o
publicou; porém, para desgosto do pesquisador, sem o diagrama que teria em
muito facilitado sua compreensão. Além disto, pelo fato de ter ali incluído
íons, compostos e termos geológicos de parco interesse dos químicos de
então, seu artigo obteve pouca compreensão e quase nenhuma divulgação.
O
caminho aberto por Chancourtois teria que aguardar pela atenção de uma mente
como a de Mendeleev. |