O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (64)

Artigo 128, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Fev 2017

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Em meados do século 19, os químicos já haviam notado que a mera ordenação dos elementos segundo seus pesos atômicos era incapaz de revelar alguma lógica geral, um sistema que se aplicasse a todos eles.

O peso atômico (hoje massa atômica) não era a propriedade essencial a caracterizar cada um dos elementos.  Outros aspectos mais abrangentes precisavam ser considerados e a distância já lançada entre a Química e a Física dificultava uma estreita colaboração entre físicos e químicos.

John Newlands (1837-1898, inglês), químico, havia, entretanto, observado em 1863 que a ordenação por pesos atômicos, então melhor padronizados, lhe sugeria uma regularidade algo surpreendente: certas propriedades pareciam se repetir a cada grupo sequencial de 8 elementos.

Nos dois anos seguintes, ele criaria uma tabela com 11 grupos de elementos, baseados em suas semelhanças químicas, em que qualquer um dos elementos exibia propriedades análogas às daqueles situados 8 posições à frente ou atrás.  Para ele, havia certa semelhança com a escala musical, o que o levou a propor o que chamou de “lei das oitavas”.

Porém, em 1866, ao apresentar sua ideia numa reunião da Sociedade Química, em Londres, foi muito mal recebido e até mesmo ridicularizado.  Um dos presentes, George Foster, do University College de Londres, chegou a provocar Newlands perguntando-lhe se havia considerado propor uma lista em ordem alfabética, já que quaisquer arranjos apresentariam eventuais coincidências.

Outras objeções, estas razoáveis, apontavam que a tabela não seria capaz de acomodar qualquer novo elemento descoberto; além disto, a ideia de “oitavas” funcionava bem para as duas primeiras seqüências, chegando até o cálcio (Ca), mas não daí em diante.  Como resultado do encontro, a Sociedade recusou-se a publicar seu artigo (Odling era um dos contrários) e assim uma observação consistente sobre uma possível periodicidade foi ignorada.

Um aspecto importante neste caso é o fato de que, em sua tabela original, ao organizar todos os 62 elementos então conhecidos, Newlands havia ousado, deixando espaços abertos para elementos que aparentemente faltavam.  A versão de 1866, entretanto, os suprimira.

Newlands claramente havia dado um passo além de Chancourtois; contudo, ao enfrentar o mundo acadêmico e científico, recuara.

No ano seguinte, Gustavus Hinrichs (1836-1923, dinamarquês naturalizado estadunidense) propôs nova tabela que consistia num sistema periódico em espiral, também com os elementos ordenados segundo a massa atômica.

Ele já havia aventado esta ideia em 1855 e agora em 1867 a publicava em seu livro, Programme der Atommechanik, numa tabela em que considerava a

massa atômica, o espectro e as similaridades químicas dos elementos.  Hinrichs ali tecia certas analogias entre a Astronomia e a Química ao propor um princípio geral sobre a mecânica dos átomos, o que foi considerado por seus pares nos EUA uma excêntrica e inaceitável confusão, mas sendo bem aceito nos círculos europeus de então.

Não obstante, suas pesquisas em Climatologia o levariam a criar o primeiro Serviço Meteorológico americano.

Químico e pesquisador em múltiplas áreas, seus estudos em Mineralogia (estruturas cristalinas) certamente estavam à frente de seu tempo e viriam a ter relação importante com a futura descoberta da estrutura do átomo: sua hipótese sustentava a suposição de que a matéria primária, a que chamou de "pantogen", com seus átomos denominados "panatoms", explicaria as relações numéricas dos pesos atômicos e forneceria uma classificação simples dos elementos.

De certa forma, Hinrichs dava pistas do que viria a ser conhecido, em sua evolução, e muito mais tarde, como número atômico.

Seguindo a mesma direção geral, o químico Julius Lothar Meyer (1830-1895, alemão), então na Universidade de Breslau, publicara em 1864 uma tabela com 44 elementos dispostos pelo conceito de valência (elaborado por Couper e Kekulé; v. artigo de Mar 2016), em que elementos com propriedades similares às vezes tinham a mesma valência.

Ao revisar seu livro de química, em 1868, Meyer, que participara do Congresso de Karlsruhe de 1860 ao lado de Odling, Dumas, Mendeleev e outros (v. artigos de Jun, Jul e Out 2016), criaria uma nova tabela, agora com 56 elementos, baseada na periodicidade de propriedades como volume molar, embora nem todos os elementos nela se encaixassem bem.

Ele havia estudado a relação entre o volume atômico dos elementos e suas massas atômicas, tendo elaborado um gráfico com o volume em função da massa.  Por meio da curva obtida, agrupara os elementos em famílias, obtendo assim a uma classificação periódica dos elementos que tinham propriedades semelhantes.

Concluída em 1869, a tabela, porém, não foi impressa até 1870, por conta do atraso do editor.

Enquanto isso, como vimos, Dmitriy Mendeleev debruçava-se intensamente sobre o desafio que o havia detido na composição do segundo volume de sua obra Os Princípios da Química (v. artigo de Dez 2016): como organizar de modo científico todos os elementos conhecidos? Qual a lógica oculta em sua natureza? Haveria ainda muitos elementos desconhecidos?

Sem que soubessem um do outro, Lothar Meyer deixava-se impressionar pela periodicidade das propriedades físicas, enquanto Mendeleev deitava sua atenção nas propriedades químicas dos elementos.

Algo estava para acontecer.