O Brasil e a Hora da Verdade (1)

Artigo 132, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jun 2017

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Vejo-me, a contragosto, obrigado a interromper o curso natural destes artigos para abordar algo que planejara apenas para bem mais adiante (refletir sobre a maneira como a humanidade tem se organizado), quando todos os temas aqui tratados houvessem claramente se entremeado num tecido geral para melhor compreensão da etapa que atravessamos, seja como comunidades locais, nacionais ou como espécie.

Refiro-me à urgência dos graves problemas nacionais em conexão com as questões mundiais: o desmanche acelerado do Brasil, até mesmo enquanto estado nacional e independente.

Vínhamos em boa marcha, recuperando-nos de um atraso secular: ora mais acelerado, ora mais compassado, nosso recente desenvolvimento, a partir de 2003, havia alcançado taxas históricas de desemprego mínimo (ao redor de 4,3%), acúmulo de reservas internacionais (US$ 376 bilhões, colchão suficiente para amortecer sobressaltos externos), investimento estatal firme (o verdadeiro indutor das grandes nações), grande ampliação e modernização da infra-estrutura (portos, aeroportos, estradas), tecnologia de ponta no agronegócio (propiciando safras e exportações recordes) e na agricultura familiar (crescentemente responsável pelo abastecimento interno), desenvolvimento em setores estratégicos (abastecimento geral, pesquisa, energia, petróleo, indústrias naval e aeronáutica, energia nuclear, defesa nacional), melhoria expressiva de setores chave como educação (centenas de escolas técnicas e universidades federais) e saúde (SUS, Mais Médicos), programas de capacitação no exterior (intercâmbio tecnológico e pós-graduação), quitação da dívida com o FMI e cancelamento da tutela econômica (invertemos a lógica, tornando-nos credores do FMI) e muito mais.  De quebra, organizamos um campeonato mundial de futebol e, muito mais significativo, uma olimpíada.

E o principal, a retirada do Brasil do ‘mapa da fome’ (cerca de 36 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema, via Bolsa Família), de reconhecimento mundial, e o resgate histórico de uma dívida social (sistemas de cotas) e da nossa auto-estima: pela primeira vez, a proverbial alegria brasileira juntava-se a um otimismo real, não mais como promessa de futuro, mas sobretudo pelo que de fato vínhamos realizando.  Isto tudo sem nos aprofundarmos nesta lista, poisdados abundantes nas fontes oficiais e não oficiaisEra um autêntico jogo de ganha-ganha.

O que vemos neste inverno, meados de 2017?

É estarrecedor o que se segue; e decerto estará desatualizado quando esta edição sairPor enquanto, e, creiam-me, vai piorar, o Brasil encolheu cerca de 10%.

O desemprego passa de 14% (17% em São Paulo), com quase 15 milhões de desempregados em Abril; e é especialmente perverso entre os jovens, alcançando quase 30%.  A previsão da OIT – Organização Internacional do Trabalho, agência da ONU, é de que, a cada três desempregados no mundo em 2017, um será brasileiro.

A engenharia nacional, a civil pesada e a naval foram destruídas, com grandes empresas em processo falimentar ou sendo vendidas, a preço vil, a corporações estrangeiras; os programas estratégicos de defesa estão quase paralisados; a projeção de crescimento da economia é mais uma vez negativa; a “queda” da inflação é expressão de uma “economia de cemitério”.

As tais “reformas”, ditas como “necessárias” (CLT e Previdência), não visam senão eliminar conquistas históricas do trabalho, fazendo com que o país retroceda, no mínimo, um século.  Estas “reformas” e “projetos” (venda de terras a estrangeiros, entrega do pré-sal e da Base de Alcântara) visam, outra vez, a desnacionalização da economia brasileira, subordinando-a aos interesses do capital estrangeiro.

Violência e desagregação se reproduzem e se espalham.  Simples assim.

Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor da UNICAMP, sempre preciso, analisa: “Seria bom que o Brasil tivesse uma elite, mas não tem. O Brasil tem ricos, mas não

tem eliteElites de verdade (em vários sentidos) têm ao menos uma ideia de país, um projeto de país; o que o Brasil tem, historicamente, é um amontoado de ricos, apenas.  E há ainda os eternos aspirantes ao "cargo" (que jamais, em realidade, o alcançarão), a até aqui sempre retrógradaclasse média”.

Porém, mesmo entre esses, que bateram panelas (ingenuamente ou não) entre 2013 e 2016, a dura realidade do cotidiano insustentável começa a produzir efeitos, entre eles, o do bumerangue.

A mídia tradicional (jornais, redes de rádio e TV) não pode ser acusada de apoiadora e nem mesmo simpatizante do governo e projeto depostos pelo golpe de estado perpetrado em 2016, rasgando a Constituição e 54,5 milhões de votos (na verdade, rasgando todos os mais de 105 milhões de votos e títulos de eleitor); ao contrário, a grande mídia sempre conspirou e apoiou todos os golpes de estado no Brasil.

Pois vejamos então o que o Datafolha, da Folha de S.Paulo, acaba de apurar em sua última pesquisa: o governo ilegítimo de Michel Temer é ruim ou péssimo para 69% do eleitorado e regular para 23%.  A taxa de ruim e péssimo chega a 73% entre as mulheres, a 74% entre os eleitores de 25 a 34 anos e a 71% para os de renda familiar mensal até dois salários-mínimos.  Considerado apenas o Nordeste, a reprovação a Temer fica acima da média, 77%.

Cerca de 76% querem que Temer renuncie, 81% defende que o Congresso inicie um processo de impeachment e 83% da população brasileira quer a realização imediata de eleições diretas para presidente.

Michel Temer foi acusado pelo PGR, Rodrigo Janot, de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução à JustiçaQualquer um destes crimes (e há outras denúncias a caminho) é bastante para que seja cassado e encarcerado.  Quando este jornal sair, ele provavelmente terá sido denunciado.  Resta saber quanto tempo terá.

A propalada retomada da economia, vendida pela mídia como argumento para o golpe parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff ( que crime jamais houve), se consolida na ideia do brasileiro como fraude sob o governo Temer.  O Datafolha divulga que 54% dos brasileiros acreditam que o desemprego vai crescer; outros 55% acreditam que os preços vão aumentar; e, sobre o poder de compra dos salários, 41% creem que ele vai cair ainda mais.

Entretanto, hoje, aos olhos dos brasileiros, mesmo a mídia não se mostra confiável.  Apenas 22% disseram confiar muito, 49% um pouco e 28% não confiam, absolutamenteApenas 10%, entre os jovens até 24 anos, confiam; 48% confiam um pouco e 41% não confiam.  Somados os índices de ‘confia um pouco’ e ‘não confia’, chega-se a 89% dos entrevistados.

Enquanto isso, a economia regride, o desemprego explode, a saúde e a educação se deterioram, o país é sucateado, a violência aumenta, duas em cada três famílias estão irremediavelmente endividadas, apenas para mencionarmos as questões mais visíveis.

A pergunta, perplexa, é: como chegamos a isto?!

(continua)