Vejo-me, a
contragosto,
obrigado a
interromper o
curso
natural destes
artigos
para
abordar
algo
que planejara
apenas
para
bem
mais
adiante (refletir sobre a
maneira
como a
humanidade tem se organizado),
quando
todos os
temas
aqui
tratados houvessem
claramente se
entremeado num
tecido
geral
para
melhor
compreensão da
etapa
que atravessamos, seja
como
comunidades
locais,
nacionais
ou
como
espécie.
Refiro-me à
urgência dos
graves
problemas
nacionais
em
conexão
com as
questões mundiais: o
desmanche acelerado do Brasil,
até
mesmo
enquanto
estado
nacional e
independente.
Vínhamos
em boa
marcha, recuperando-nos de
um
atraso
secular:
ora
mais acelerado,
ora
mais
compassado,
nosso
recente
desenvolvimento, a
partir de 2003, havia alcançado
taxas históricas de desemprego
mínimo (ao
redor de 4,3%),
acúmulo de
reservas
internacionais (US$ 376
bilhões,
colchão
suficiente
para
amortecer
sobressaltos
externos),
investimento
estatal
firme (o
verdadeiro
indutor das
grandes
nações),
grande
ampliação
e modernização da infra-estrutura (portos, aeroportos, estradas), tecnologia
de ponta no agronegócio (propiciando safras e exportações recordes) e na
agricultura familiar (crescentemente
responsável pelo abastecimento interno),
desenvolvimento em setores estratégicos (abastecimento geral, pesquisa,
energia, petróleo, indústrias naval e
aeronáutica,
energia
nuclear,
defesa
nacional), melhoria
expressiva de
setores
chave
como
educação (centenas
de
escolas
técnicas e
universidades
federais) e
saúde (SUS,
Mais
Médicos),
programas de
capacitação no
exterior (intercâmbio
tecnológico e
pós-graduação),
quitação da
dívida
com o FMI e
cancelamento da
tutela
econômica (invertemos a
lógica, tornando-nos
credores do FMI) e
muito
mais. De
quebra, organizamos
um
campeonato mundial de
futebol e,
muito
mais
significativo, uma
olimpíada.
E o
principal, a
retirada do Brasil do ‘mapa da
fome’ (cerca de 36
milhões de
pessoas saíram da
pobreza
extrema,
via
Bolsa
Família), de
reconhecimento mundial, e o
resgate
histórico de uma
dívida
social (sistemas
de
cotas) e da
nossa auto-estima:
pela
primeira
vez, a
proverbial
alegria
brasileira juntava-se a
um
otimismo
real,
não
mais
como
promessa de
futuro,
mas
sobretudo
pelo
que de
fato vínhamos realizando.
Isto
tudo
sem
nos aprofundarmos nesta
lista,
pois há
dados abundantes nas
fontes
oficiais e
não
oficiais.
Era
um
autêntico
jogo de ganha-ganha.
O
que vemos neste
inverno,
meados de 2017?
É estarrecedor o
que se segue; e
decerto estará desatualizado
quando esta
edição
sair.
Por
enquanto, e, creiam-me, vai
piorar, o Brasil encolheu
cerca de 10%.
O desemprego
já
passa de 14% (17%
em
São Paulo),
com
quase 15
milhões de desempregados
em
Abril; e é
especialmente
perverso
entre os
jovens, alcançando
quase 30%. A
previsão da OIT –
Organização
Internacional do
Trabalho,
agência da ONU, é de
que, a
cada
três desempregados no
mundo
em 2017,
um será
brasileiro.
A
engenharia
nacional, a
civil
pesada e
a naval foram destruídas,
com
grandes
empresas
em
processo falimentar
ou sendo vendidas, a
preço
vil, a
corporações estrangeiras; os
programas
estratégicos de
defesa estão
quase paralisados; a
projeção de
crescimento da
economia é
mais uma
vez
negativa; a “queda” da
inflação é
expressão de uma “economia
de
cemitério”.
As
tais “reformas”, ditas
como “necessárias” (CLT e
Previdência),
não visam
senão
eliminar
conquistas históricas do
trabalho, fazendo
com
que o
país retroceda, no
mínimo,
um
século. Estas “reformas” e “projetos”
(venda de
terras a
estrangeiros,
entrega do pré-sal e da
Base de Alcântara) visam,
outra
vez, a
desnacionalização da
economia
brasileira, subordinando-a aos
interesses do
capital
estrangeiro.
Violência e
desagregação se reproduzem e se espalham.
Simples
assim.
Luiz Gonzaga Belluzzo,
economista e
professor da UNICAMP,
sempre
preciso, analisa: “Seria
bom
que o Brasil tivesse uma
elite,
mas
não tem. O Brasil tem
ricos,
mas
não
|
tem
elite”.
Elites de
verdade (em
vários
sentidos) têm ao menos uma ideia de
país,
um
projeto de
país; o
que o Brasil tem, historicamente, é
um amontoado de
ricos,
apenas. E há ainda os
eternos
aspirantes ao
"cargo" (que
jamais, em realidade, o alcançarão), a até aqui
sempre
retrógrada “classe
média”.
Porém,
mesmo
entre
esses,
que bateram
panelas (ingenuamente
ou
não)
entre 2013 e 2016, a
dura
realidade do
cotidiano
insustentável
começa a
produzir
efeitos,
entre
eles, o do
bumerangue.
A
mídia tradicional (jornais,
redes de
rádio e TV)
não pode
ser acusada de apoiadora e
nem
mesmo
simpatizante do
governo e
projeto depostos
pelo
golpe de
estado perpetrado
em 2016, rasgando a
Constituição e 54,5
milhões de
votos (na
verdade, rasgando
todos os
mais de 105
milhões de
votos e títulos de eleitor); ao
contrário, a
grande
mídia
sempre conspirou e apoiou
todos os
golpes de
estado no Brasil.
Pois vejamos
então o
que o Datafolha, da
Folha de S.Paulo, acaba de
apurar
em
sua
última
pesquisa: o
governo
ilegítimo de Michel
Temer é
ruim
ou
péssimo
para 69% do
eleitorado e
regular
para 23%. A
taxa de
ruim e
péssimo
chega a 73%
entre as
mulheres, a 74%
entre os
eleitores de 25 a 34
anos e a 71%
para os de
renda
familiar
mensal
até
dois salários-mínimos. Considerado apenas o
Nordeste, a reprovação a
Temer fica
acima da
média, 77%.
Cerca de 76% querem
que
Temer renuncie, 81% defende
que o
Congresso inicie
um
processo de
impeachment e 83% da
população
brasileira
quer a
realização imediata de
eleições diretas
para
presidente.
Michel
Temer
já foi acusado
pelo PGR, Rodrigo Janot, de
corrupção
passiva,
organização
criminosa e
obstrução à
Justiça.
Qualquer um destes crimes
(e há outras denúncias a caminho)
é bastante para que seja cassado e encarcerado. Quando
este
jornal
sair,
ele provavelmente
já terá sido denunciado.
Resta
saber
quanto
tempo terá.
A propalada
retomada da
economia, vendida
pela
mídia
como
argumento
para o
golpe
parlamentar
contra a
presidente Dilma Rousseff (já
que
crime
jamais houve), se consolida na ideia do
brasileiro
como
fraude
sob o
governo
Temer. O Datafolha divulga
que 54% dos
brasileiros acreditam
que o desemprego vai crescer;
outros 55% acreditam
que os
preços
vão
aumentar; e,
sobre o
poder de
compra dos
salários, 41% creem
que
ele vai
cair
ainda
mais.
Entretanto,
hoje, aos
olhos dos
brasileiros,
mesmo a
mídia
não se
mostra confiável.
Apenas 22% disseram
confiar
muito, 49%
um
pouco e 28%
não confiam,
absolutamente.
Apenas 10%,
entre os
jovens
até 24
anos, confiam; 48% confiam
um
pouco e 41%
não confiam. Somados os
índices de ‘confia
um
pouco’ e ‘não
confia’, chega-se a 89% dos entrevistados.
Enquanto isso, a economia
regride, o desemprego explode, a saúde e a educação se deterioram, o país é
sucateado, a violência aumenta, duas em cada três famílias estão
irremediavelmente endividadas, apenas
para mencionarmos as questões mais visíveis.
A
pergunta, perplexa, é:
como chegamos a
isto?!
(continua) |