Se quisermos
realmente
compreender
nossa
situação
presente, torna-se
necessário
nos debruçarmos
sobre
nosso
passado, o
nosso
baú de ricas
ocorrências,
nossa
memória.
A historiadora Emília
Viotti da
Costa, ao
reelaborar uma
antiga
reflexão de
pensadores
tão
diversos
como Edmund Burke, Karl Marx, George Santayana
e Ernesto Guevara, reafirma: "Um
povo
sem
memória é
um
povo
sem
história. E
um
povo
sem
história está fadado a
cometer, no
presente e no
futuro, os
mesmos
erros do
passado."
O
pensamento
original, do chinês Confúcio (551 a.C.-479
a.C.), recomenda: “Se
queres
prever o
futuro,
estuda o
passado.”
Seria,
porém,
um
esforço
inútil e
um
precioso
tempo (este
bem
não renovável) desperdiçado, se o fizéssemos
apenas
para
buscar
erros e culpados. A
culpa,
inaproveitável, é o
oposto da
noção de
responsabilidade. Esta, a
responsabilidade,
que
nos pode
ser
inicialmente
desconfortável,
com o
tempo e a
prática torna-se libertadora. Somos
todos
responsáveis
pelo
que
nos acontece,
quer o admitamos
ou
não.
Já vimos no
artigo
Cidadania e
Democracia (Nov 2008),
que
responsabilidade refere-se à
capacidade de
responder aos
desafios. E
um dos
principais
desafios,
que
cedo
ou
tarde se impõem a
cada
um de
nós, está
em
responder a
questões
essenciais
como “quem
sou
eu”, “onde
estou”, “de
onde venho”, “para
onde estou indo”, “o
que acontece”.
Vale
para
cada
um de
nós
individualmente,
vale
para as
relações
que estabelecemos na
vida,
vale
para o
conjunto
social de
que fazemos
parte,
local
ou mundialmente.
Quem sou
eu,
quem é
você, o
que é o Brasil?
Coloquemos no
foco de
nossa
atenção o
que
mais temos
em
comum: o
país, a
nação, o Brasil.
A
caquética e
maliciosa
história de
nossa
origem insiste na “descoberta”
destas
terras
por uma
expedição
comercial
lusitana chefiada
por Cabral,
em
abril de 1500; e
ainda
lança uma
bizantina
discussão
sobre a intencionalidade
ou
não da “descoberta”
de uma “nova”
terra
que receberia, ao
longo dos
séculos, os
nomes de
Monte
Pascoal,
Ilha de
Vera
Cruz,
Terra de
Santa
Cruz,
Nova Lusitânia, Cabrália,
Império do Brasil,
Estados Unidos do Brasil e,
agora,
República Federativa do Brasil.
Toda
criança, ao
ouvir
um
dia essa
ladainha,
não hesita
em
perguntar: “Mas e os
índios?
Eles
já estavam
aqui!”.
Sim, estavam; eram inúmeros
povos,
nações várias
que somavam
alguns
milhões de
habitantes e estavam
aqui há
muito,
muito
tempo. O
fóssil
mais
antigo de
um
humano nas Américas foi encontrado
em
Lagoa
Santa, MG, datando de
cerca de 14
mil
anos
atrás; recebeu o
nome de Luzia.
Todo o
atual
território
brasileiro
já
era
ocupado há 12
mil
anos,
bem
antes do
término da
última
glaciação. E há
evidências arqueológicas (no
atual Piauí) de
ocupações humanas de
quase 60
mil
anos
atrás.
Logo, os
europeus recém
chegados
não eram descobridores de
terras; eram
invasores.
Toda a
faixa
litorânea
atlântica, de
sul a
norte,
era predominantemente ocupada
pelos
grandes
grupos
étnicos
tupi-guarani (guaranis,
tupiniquins,
tupinambás),
macro-jê e aruaque. Pindorama (“terra
das
palmeiras”
ou “terra
sem
males”),
era o
nome
que davam ao
território.
Porém,
como
todo historiador
sério sabe (assim
como os interessados
atentos), a
História
oficial é
sempre contada
|
segundo o
ponto de
vista dos
“vencedores”;
apenas
pesquisadores devotados se esforçam
pelo
levantamento
real,
tão
completo
quanto
possível, dos
fatos e dos
pontos de
vista dos derrotados, frequentemente dizimados.
O
fato é
que
aqui havia
gente há
muito
tempo e na
realidade
até
mesmo
europeus
já haviam aportado
antes de Cabral. Portugal e Espanha,
potências mundiais à
época, haviam,
em 1494, “dividido o
mundo”
ocidental
com o
Tratado de Tordesilhas.
O
Império Colonial
Português (tido
como o
primeiro
império
global),
então
sob D. João III, e
sem
recursos,
depois de
três
décadas de
hesitações decidiu-se
por
iniciar a colonização e
exploração
sistemática
por
meio da
criação,
em 1534, de 14
capitanias doadas (em
termos) a
nobres da
corte.
Desde a “descoberta”,
extraia-se
intensamente as
árvores de
pau-brasil,
em
disputa
constante e
letal
com os
corsários franceses
que negociavam
com os
indígenas. O
sistema de
capitanias hereditárias (passavam de
pai a
filho,
donatários,
mas
não
proprietários),
que havia funcionado
com
êxito nas
ilhas dos Açores e
Madeira, revelou-se,
com as
exceções de Pernambuco e
São Vicente,
um
completo
fracasso.
Então,
quase
meio
século
após Cabral, foi nomeado
um
governador
geral
para a
colônia, Tomé de Souza, sucedido
por Duarte da
Costa, e
depois
este
por Mem de Sá e inúmeros
outros
até o
final do
século 16.
Enquanto
isso, ampliava-se a
extração do
pau-brasil, consolidava-se o
plantio de
cana-de-açúcar (razão
do “sucesso” de Pernambuco e
São Vicente, dando
início ao
ciclo da
cana e,
pouco
depois, à
escravidão de
povos
africanos
como
mão-de-obra) e guerreava-se
com frequência: portugueses,
aliados aos
tupiniquins,
contra franceses,
aliados aos
tupinambás, sendo os
indígenas derrotados escravizados
ou
mortos.
Assim,
pau-brasil,
especiarias e
açúcar foram as primeiras
extrações febris destas
terras
para
sustento da
coroa portuguesa e
cortes europeias várias. No
decorrer dos
dois
primeiros
séculos,
até a
descoberta de
ouro
abundante, franceses, holandeses (que
financiavam
vários
engenhos de
cana) e ingleses enviaram
seus
corsários e
piratas na
tentativa de
abocanhar
aqui o
seu
quinhão
em
terras (pouquíssima
gente se dá
conta de
que,
mesmo
hoje, o Brasil
não faz
fronteiras
apenas
com
países de
língua espanhola e
indígena, do Uruguai à Venezuela: ao
norte, França, Holanda e Inglaterra
são
nossos
vizinhos –
por
meio da Guiana Francesa, do Suriname e da
Guiana).
Com as
invasões e tendo
como
único
propósito a
garantia da
extração
extensiva e
intensiva de
recursos
naturais,
para os colonizadores (e neocolonizadores),
desde
então, o
que conhecemos
como Brasil representou (e representa)
um
imenso
bovino,
território e
povos
nativos
ou importados de
pródigo
úbere a
ser
indefinidamente ordenhado a
seu
bel-prazer.
O
sistema de
capitanias, na
prática, arrastou-se
até 1821,
véspera da
Independência,
quando
então foram transformadas
em
províncias.
Como
esta
origem
desdobrou-se nas
etapas
seguintes
de
exploração
até
nossos
tempos?
(continua) |