Assim
como
não conseguimos
compreender
nosso
presente
sem refletirmos
sobre
nosso
passado, é
também
insuficiente fazê-lo isolando-nos do
contexto
geral.
Vale
para
nós,
individualmente
ou
como
sociedade,
vale
ainda a esta
retrospecção
sobre a
origem e os (des)caminhos
de
nosso
país.
Sem
nos aprofundarmos
em
demasia na
História, convém
lembrar
que Portugal foi o
primeiro
estado
moderno
europeu a consolidar-se
como
tal,
já no
século 12,
com D. Afonso Henriques dando
início,
em 1149, à
dinastia de Borgonha e declarando-se
rei de
um
território separado de
Castela.
Embora restrito à
área
entre os
rios Minho e Douro, o
reino
logo se expandiu ao
sul,
sobre
espaços
então
árabes (v. O
Processo do
Conhecimento,
Dez 2011, Jan, Fev,
Mar, Abr 2012), incorporando o
reino
muçulmano do Algarve,
porta
para a África, ao
final do
século 13, numa
configuração
territorial
próxima à
atual.
A
nova
dinastia de Avis,
já
século 14, fixou a
partir de 1385
certa
unificação
política, alargando
seus
exércitos e tecendo
alianças da
Coroa
com
nobres
lusitanos do
sul e
com os
comerciantes.
Seus
reis, a
seguir, valendo-se da
herança
muçulmana de
oito
séculos (conhecimentos
e
pilotos), iniciaram a
expansão ultramarina do
século 15,
resultante de
ações articuladas
entre o
Estado,
com
sua
burocracia e
exércitos, a
Igreja e as
entidades
comerciais,
com o
objetivo
maior do
lucro.
No
início do
século 16,
em 1514, o
rei D. Manuel, o
Venturoso,
em
visita ao
Vaticano intitulava-se "rei
de Portugal, dos Algarves, d'aquém
e d'além
mar
em África,
senhor da Guiné e da
conquista,
navegação e
comércio da Etiópia, da Arábia, da
Pérsia e da
Índia". Nessa
viagem
excessivamente
pomposa
para
dirimir
questões
junto ao
Papa e
influir na
política
internacional, D. Manuel, ao
chefiar
embaixada
tão
faustosa
que viesse a
deslumbrar o
mundo e
permanecer gravada na
memória
por
séculos, procurava
dar ao
mundo
mostras de
poder e
riqueza. Portugal,
potência,
tinha nesse
momento
apenas
um
concorrente à
altura: a Espanha
sob Fernando de Aragão e Isabel de
Castela.
A Inglaterra do
século 16,
assim
como a França,
era fragilizada
por
lutas
entre as
facções religiosas
que, surgidas na Reforma
Protestante, buscavam
seu
espaço
político.
Ali, o
desenvolvimento da
agricultura e do
pastoreio,
estes
já
não
apenas
para
subsistência,
mas voltados ao
mercado
externo, impulsionava uma
forte
concentração da
renda e das
propriedades, fazendo
com
que os
pequenos
proprietários, ao perderem
suas
terras
para os
latifundiários, ingressassem na
massa dos despossuídos e
sem
alternativas de
trabalho.
Neste
crescendo
mercantilista generalizado, na
defesa de
seus
produtos e na
busca
frenética
por
metais,
com
extrema frequência os
interesses e a
política de
comércio destes
países colidiam e os
objetivos mercantilistas de
um eram anulados
pelo
outro, num
palco
cada
vez
mais conflituoso. A
solução
então encenada
pelos
dirigentes mercantis foi o
domínio exercido
por
cada
país
mercantilista
sobre
certas
áreas, consideradas
monopólios,
em
que poderiam
obter
vantagens econômicas, dando
origem,
assim, a
um
forte ideário colonialista: a
criação de
um
mercado e de uma
área de
produção colonial
absolutamente controlados
pela
metrópole.
Desta
maneira estruturou-se o
sistema de
exploração colonial
que marcou a
conquista e a colonização de
toda a América
Latina, Brasil incluído: a
metrópole, o
país
dominador, tomava todas as
decisões
importantes; a
colônia,
unidade
territorial dominada,
tinha
como
função existencial a
geração de
riquezas
para a
metrópole,
riquezas estas
que poderiam
advir da
extração de
metais
preciosos
ou da
exportação de
matérias
primas.
|
No
caso do Brasil,
isto se deu
inicialmente
com o
pau-brasil,
empregado
como
corante e
também no
comércio
com as Índias, seguido pelas
especiarias e
depois, num
frenesi
intenso, o
açúcar da
cana,
produto
altamente valorizado no
mercado mundial,
que
aqui deu
origem ao chamado
Ciclo do
Açúcar dos
séculos 16 e 17.
Trazida das
experiências dos Açores,
Cabo
Verde e
Madeira, a
cana
aqui encontrou
solo e
clima
favoráveis. Faltava,
entretanto, a
mão de
obra.
Embora os
donatários das
capitanias pudessem
substabelecer
porções
menores de
terras, denominadas
sesmarias,
não havia
plano
algum de
incentivo à migração e colonização,
não havia
recursos
disponíveis na
Coroa
para
este
fim e
nem
mesmo a
eles,
donatários,
que deveriam
prover o
desenvolvimento das
capitanias às
suas
expensas.
O
que havia
era a
constante
preocupação de
não
ceder o
novo
território aos
concorrentes.
Em
geral,
mas
não
só, os
europeus
que
aqui aportavam eram
aventureiros, muitas
vezes buscando
refúgio,
ou eram degredados punidos
ou traficantes
ou
corsários a
serviço de França, Inglaterra e
mesmo Holanda. Havia,
embora
não fossem
muitos, os
artesãos e
profissionais trazidos
para a
construção de
fortalezas,
cidades
ou
unidades produtivas. Já o
plantio
extensivo, a
colheita da
cana e
seu beneficiamento
em
açúcar, melaço e aguardente demandavam
um
contingente
disposto,
ou
então
obrigado, a
um
duro e
nada
compensador
trabalho.
Assim
como os
indígenas
pouco se animavam a
servir a
algo
ou
alguém
que
não faziam
parte de
sua
cultura e
não toleravam serem escravizados,
também eram
com frequência dizimados pelas
doenças europeias a
que
seus
organismos
não ofereciam
resistência. Foi
este o
caso
entre os
astecas, de
rica
civilização no
Golfo do México, e o
espanhol Hernán Cortés,
que,
com reduzidas
tropas e
muita ardilosidade, praticamente destruiu a
já fragilizada
nação.
Numa
época
em
que o
feudalismo
ainda
era a
regra, os
europeus
não hesitaram
em
retroceder a
um
antigo
recurso: a
escravidão
explícita. Na
exploração e retalhamento dos
territórios e
povos
africanos,
ali encontraram,
além dos
recursos
naturais,
um
bem estabelecido
comércio de
escravos,
já
que há
muito
tempo várias
tribos se dedicavam a
guerrear outras
com o
objetivo de
capturar
inimigos e vendê-los aos visitantes.
Nos
cerca de trezentos
anos
seguintes,
com a
ativa participação de
africanos, portugueses,
brasileiros, holandeses e ingleses no
tráfico negreiro,
mais de
três
milhões de
pessoas foram escravizadas e transportadas
para o Brasil,
vindas de
locais
diversos da África
como Guiné (século
16),
Angola (século
17,
com bacongos, ambundos, benguelas e ovambos),
Benin e Daomé (século 18,
com iorubás, jejes,
minas, hauçás,
tapas e bornus) e Moçambique (século
19).
Estabeleceu-se desta
forma,
em triangulação,
um
tráfico
regular
duplamente
lucrativo: lucrava-se
com a
compra de
escravos da África
para
trabalho
nos
engenhos, lucrava-se
com o
transporte e
venda do
açúcar ao
mundo
europeu.
A
unidade
produtiva dos
engenhos, além dos campos e da moenda, basicamente consistia na
residência do
senhor e
sua
família, a
Casa
Grande,
que controlava e explorava
em
sua
totalidade os
escravos, e a
Senzala, uma
edificação
insalubre em que os trabalhadores eram
precariamente abrigados.
Esta
relação forjada
entre
senhores,
escravos, ruralismo
e patriarcalismo compôs
desde
então
um
nefasto ideário, implantado e cultivado
em
corações e
mentes, e, como consequência, uma
perversa
prática, a
estruturar
um
cotidiano inercial de
que o Brasil
ainda
hoje é
presa
farta.
(continua) |