Na
busca por
compreender o
presente, vimos
que
não devemos
descuidar do
entendimento de
um
processo
que se dá ao
longo do
tempo e no
contexto
socioeconômico
em
que se desenvolve, seja
local
ou mundial.
Já pudemos
também
aqui
demonstrar (v. O
Processo do
Conhecimento, Mai 2012)
que nessa
caminhada é
preciso
considerar a
importância das condicionantes ambientais.
Como dissemos, “vários
tipos de
registros
históricos e paleoclimáticos indicam
que as
temperaturas
médias na
região
norte do
Oceano
Atlântico haviam subido, propiciando
um
clima
favorável
entre os
anos de 800 a 1300 [o
Período de
Aquecimento
Medieval
ou
Anomalia Climática
Medieval],
com
pico a
partir de 1100 [até
1300]. No
continente
europeu
ele foi sucedido
por
outro
período,
agora de resfriamento,
entre 1300 e 1860, chamado de
Pequena
Idade do
Gelo.”
Embora tivessem uma
origem
comum
em
seu
desenvolvimento
histórico e mantivessem
grandes
afinidades ibéricas, Portugal e Espanha,
potências marítimas do
século 16, vieram a
ocupar de
maneira
diversa os
territórios das Américas.
Os
enviados lusitanos concentraram-se na
ocupação
litorânea, na
então
exuberante
riqueza da
Mata
Atlântica,
como a
grande
nação
tupi
já o havia
feito há poucas
gerações,
enquanto
que os
castelhanos dedicaram-se à
conquista das
terras
interiores e de
altiplanos,
com
clima
mais
ameno. Os portugueses davam
preferência a
territórios de
fácil
acesso
pelos
mares e
grandes
rios, ocupando as
faixas próximas às
águas;
já os espanhóis consideravam estas
áreas de
difícil
defesa e
até
mesmo
insalubres, chegando a
estabelecer
normas rígidas
quanto à
recomendação
por
terras
distantes dos
litorais e
margens de
rios,
assim
como
por
terras
mais
altas e
menos
quentes.
De
maneira
geral, os
europeus
que
aqui tentaram se
estabelecer, fossem
eles franceses, ingleses, holandeses, espanhóis
ou portugueses, sendo
fruto de
climas
mais
frios, sentiam
extremo
desconforto
com o
calor
úmido
que predominava no “novo
continente”. Condicionantes outras,
contudo, possibilitaram
que portugueses e espanhóis,
embora de
modo
diverso, nele se enraizassem.
O povoamento
por europeus
aqui se deu
frente às
batalhas
que eram travadas
entre
si,
com a
adaptação
possível ao
meio e a cooptação de
tribos
indígenas aliadas. Portugueses aliaram-se aos
tupiniquins e
tupis,
como
mais
adiante mostraria o
potiguar Filipe
Camarão na
resistência aos holandeses; franceses aliaram-se aos
tupinambás e
tamoios,
enquanto
que os espanhóis o fizeram
junto aos
guaranis.
Comparados aos
portugueses, os
castelhanos mostraram, no
decurso desta
história e
desde
sua
chegada,
maior
planejamento e
determinação. Os lusitanos e
seus
enviados consideravam
mais a
apropriação
rápida de
recursos e
resultados,
como a
extração e as
grandes
plantações de
cana de
açúcar,
algodão e
tabaco,
além dos
engenhos, numa
clara
configuração
ruralista e
patriarcal; uma
vez exaurido
um
território
após umas poucas
gerações, passavam a
outro.
Já os espanhóis pensavam
antes na
constituição de
cidades a
partir das
quais pudessem
estender os
domínios.
Significativamente, as primeiras
universidades da América espanhola foram
logo criadas:
em 1538, a de
São
Domingos,
onde Colombo havia aportado;
depois vieram a de San
Marcos, no
Peru,
em 1551, a do México,
em 1553, a de Bogotá,
em 1662, a de Cuzco,
em 1692, a de
Havana,
em 1728, e a de Santiago,
em 1738.
Não
obstante o
esforço,
em
vão,
ainda no
século 16, dos
jesuítas, em geral bacharéis da
Universidade de Coimbra, e de
outra
tentativa abortada
por
ocasião da
Inconfidência
Mineira, no Brasil
apenas
em 1808,
com a
vinda da
família
real portuguesa e
corte,
em
fuga das
tropas de Napoleão, é
que se cogitou da
criação de uma
universidade
que reunisse as raras
escolas de
ensino maior existentes. Ideia
esta que
não prosperou,
como veremos
adiante.
Assim,
as primeiras
escolas
de
ensino
superior
no Brasil foram a
Escola
de
Cirurgia
da Bahia,
criada
em
1808,
seguida
mais
tarde
pelas
faculdades
de
Direito
de
São
Paulo e de Olinda,
em
1827.
Três
universidades
foram criadas
entre
1909 e 1912,
mas
não
perduraram;
apenas
as
universidades
do
Rio de Janeiro
(1920), de
Minas
Gerais
(1927) e a de
São
Paulo (1934),
após várias
tentativas,
seguiram no tempo.
Observada a
história
ibérica,
não é
difícil
intuir as
origens destas
diferenças: “última
flor do Lácio,
inculta e
bela”,
como interpretou Olavo Bilac a "língua de
Camões", o
idioma, |
a
cultura, a
nação e o
país portugueses constituíram-se numa
situação
geográfica
quase
que preservada dos
principais
dramas
europeus medievais, as
lutas decorrentes da
fragmentação do finado
império
romano, dos
bárbaros
germânicos e da
ocupação
muçulmana de
oito
séculos entremeada
pela
violência dos
cristãos na Reconquista.
Como vimos (v. O
Processo do
Conhecimento,
Dez 2011), os
muçulmanos haviam estabilizado e enriquecido a
porção
ibérica da Europa, sendo
mais
tolerantes e
mesmo protegendo os
judeus.
Já os
cristãos, a
partir das
cruzadas e da Reconquista ao
final do
século 15, trataram de
impor
seu
domínio de todas as
formas e a qualquer custo.
Conhecido
como
Inquisição Espanhola, o
Tribunal
do
Santo
Ofício
foi uma
instituição
fundada
pelos
reis
de Espanha, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, tendo
em
vista a
manutenção da
ortodoxia
católica
em
seus
reinos, atuando de 1478 a 1834.
Em Portugal, a
inquisição
só se estabeleceu a
partir de 1536; no Brasil,
apenas na
segunda
metade do
século 18.
Expulsos os
muçulmanos
pela reconquista
católica,
era
hora de
perseguir os
judeus. As “visitações” do
Tribunal eram a
forma de
garantir a
vigilância
permanente
nos
reinos e nas
colônias.
Para
mais facilmente
abordar os
adversários
ou
simples
suspeitos, o inquisidor,
logo ao
chegar, anunciava nas
praças e
igrejas os “éditos
de
fé”,
um
documento
oficial
em
que o
clérigo declarava os “pecados”
que poderiam
ser denunciados
por
qualquer interessado.
Delações quaisquer
sem
provas
ou a
mera
suspeita bastavam às
autoridades
para sequestrar-se o acusado a
fim de
que respondesse ao
processo.
Preso “provisoriamente”, o acusado passava
por
torturas diversas
que buscavam
obter a
confissão do “herege”.
Comumente usava-se
cortar as
plantas dos
pés do incriminado, untá-las
com
manteiga e
expor estas
feridas a
um
braseiro.
Quando o réu
afinal
não confessava os
pecados denunciados,
então a
morte na
fogueira
era utilizada;
para o
réu confesso,
penas
alternativas.
Portugal
não
era
necessariamente escravocrata
em
sua
própria
sociedade,
embora houvesse
casos
esporádicos
após a
conquista,
quase
sem
resistência,
em 1415, de Ceuta, no
norte da África,
onde havia na
estratégica e
rica
cidade
um forte
mercado
geral muçulmano que também negociava
escravos. Ali procurava Portugal sobretudo controlar a passagem pelo Estreito de Gibraltar (ainda
hoje objeto de disputa entre Espanha e Inglaterra, que há mais de 300 anos
ali mantém uma base militar) e defender-se das constantes incursões de piratas e corsários que pilhavam e escravizavam sua população ao sul.
Veio a sê-lo,
porém, nas
colônias e na competição,
pela
exploração do Brasil,
com ingleses, franceses e holandeses,
todos
usuários e implicados
nos
negócios da
escravidão.
Já
então
um
retrocesso civilizacional, a
escravidão,
primeiro dos
indígenas e
depois
intensa, e
por
mais de
três
séculos, dos
negros sequestrados à África, constituiu
não
apenas uma “chaga
moral” na
história colonial e imperial
brasileira:
ela fez estruturar-se uma
armadilha
perene
em nossas
relações
sociais,
corações e
mentes,
que
captura e
assombra,
desde
seu
início,
não
apenas
nossa
história,
mas,
como veremos, compromete e
ameaça
até
mesmo
nossa
precária e
pretensa
república,
para
já
não falarmos na
democracia.
(continua) |