O
escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850), arguto observador do
cotidiano de seu tempo, dizia em sua obra As Ilusões Perdidas: “Há
duas histórias: a história oficial, mentirosa, que se ensina, e, depois, a
história secreta, onde estão as verdadeiras causas dos fatos. Uma história
envergonhada.”
Ao
término da União Ibérica, com o fim da Dinastia Filipina (de 1580 a 1640),
Portugal recuperou sua autonomia, mas ainda teve que lutar até 1668, quando,
pelo Tratado de Lisboa, a Espanha enfim reconheceu sua independência.
A
economia portuguesa, entretanto, encontrava-se muito fragilizada: marinha
mercante arruinada, comércio depauperado, negócios na Índia em decadência.
Sua revitalização passara a depender do aumento da exploração do que então
era chamado o Estado do Brasil.
Este,
então a colônia Brasil, havia se tornado o maior produtor mundial de açúcar
nos séculos 16 e 17, quando o produto deixara de ser apenas um meio de
ocupação territorial para se tornar fim em si mesmo, tendo em vista a
colonização. Mas, como vimos, o ciclo do açúcar já começara a exibir
diferenças de produtividade entre o norte, mais fértil e próspero, e o sul,
cujas terras litorâneas mostravam o esgotamento que instigou as investidas
dos paulistas pelo interior, dando origem ao que viriam a ser as entradas,
bandeiras e monções, expedições armadas que, partindo de São Vicente,
adentravam o território para captura e escravização de indígenas e,
posteriormente, na busca por metais, principalmente ouro.
Paralelamente, o sucesso dos engenhos de açúcar das colônias holandesas,
francesas e inglesas, também escravagistas, na América Central provocara,
por concorrência, a crise do açúcar no Brasil, constituindo mais um impulso
para a interiorização da exploração, reforçando a caça por escravos
indígenas e a procura por metais.
Pequenos
achados auríferos já eram conhecidos pelos bandeirantes, e mesmo
incentivados financeiramente pela Coroa, quando, em 1697, deu-se enfim a
primeira grande descoberta de ouro, na região de Taubaté, nos leitos de uma
produtiva rede de rios (o garimpo de aluvião), iniciando-se ali uma corrida
que atraiu milhares de novos colonos a partir de Portugal e suas outras
colônias.
Mas não
foi só: o encontro de terras muito férteis a partir do planalto paulista (a
“terra roxa”, resultado geológico da decomposição dos derrames de basalto do
Período Cretáceo que se estendem do sul de Minas Gerais até o norte do Rio
Grande do Sul) fez com que o território fosse invadido também pela cana de
açúcar.
As
incursões seguiram adiante, estendendo o domínio da capitania paulista, e em
1698, na região da serra do Sabarabuçu, junto ao Rio das Velhas e da
povoação que gerou a vila de Sabará, foi enfim encontrada uma abundante
jazida de ouro; não de aluvião, mas a ser escavada.
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O
minério não era reluzente, como as pepitas, e sim um conglomerado de
minerais de cor preta, que foi depois descoberto por toda a região, dando
origem a diversas minas e à Vila Rica de Ouro Preto, entre outras (no tempo,
a abundância e a diversidade mineral foram referidas como as Minas Gerais).
Em 1719, o ouro foi encontrado também em Mato Grosso; e, em 1725, em Goiás.
Não
tardaram as disputas e os conflitos, como a Guerra dos Emboabas, travada de
1707 a 1709 entre os paulistas bandeirantes e os grupos de imigrantes de
Portugal e outras regiões do Brasil.
Dada a
abundância do ouro, a Coroa Portuguesa já havia se antecipado, criando em
1702 a Casa de Intendência das Minas com a incumbência de distribuir os
lotes para exploração, fiscalizar a atividade de mineração, arbitrar as
questões surgidas e cobrar os impostos, correspondentes a um quinto (20%) do
ouro obtido. Nada disto era de fácil implementação, já que a livre
circulação do ouro em pó ou em pepitas tornava árdua a cobrança do Quinto e
facilitava o contrabando.
Em 1720
resolveu-se então pela criação oficial das casas de fundição, onde o ouro
tomava a forma de pequenas barras que recebiam o selo real, prova de que o
imposto havia sido recolhido. A posse de ouro em pó, pepitas ou barras não
seladas tornou-se crime punível com a perda de todos os bens ou mesmo a
condenação ao degredo. Com o tempo, além do Quinto, Portugal passou a
também cobrar de cada região uma quantidade extra de ouro, algo como uma
tonelada anual.
Tal foi
a fartura do metal que, entre os anos de 1700 a 1760, o Brasil produziu mais
do que toda a América espanhola em quase 400 anos, resultado equivalente à
metade de todo o ouro extraído no mundo entre os séculos 15 e 18. Como o
ouro é um metal pouquíssimo reagente e não se degrada, a pergunta
irrefreável é: onde estará agora?
O
chamado Pacto Colonial imposto por Portugal determinava que a colônia Brasil
só poderia comerciar com a metrópole, sem concorrer com quaisquer produtos
da matriz, ou seja, o Brasil não produziria nada que a metrópole fornecesse.
No
fundo, havia
também
nisso a mão inglesa. Pelo apoio militar e diplomático
emprestado a Portugal em sua luta com a Espanha, a Inglaterra
já então industrializada havia exigido acesso ao mercado português (que não dispunha
de uma indústria forte) para a venda de suas manufaturas. O Tratado de Methuen (1703) era um exemplo disto. Portugal podia se beneficiar do
monopólio colonial, mas o Brasil e outras colônias seriam abastecidos por
produtos ingleses.
A
colônia, por imposição da metrópole, tudo a ela vendia a preços aviltados,
fossem metais, produtos florestais ou agrícolas tropicais etc; e dela
comprava produtos manufaturados e escravos a preços altos, garantindo desta
forma o lucro da metrópole em todas as transações.
O ciclo
do ouro entre os séculos 17 e 18 gestou também a primeira grande mudança
depois da invasão dos europeus e da introdução da cana de açúcar: decorridos
pouco mais de 200
modorrentos
anos de uma economia primitiva, a estrutura da pirâmide social começava a se
alterar.
No Ciclo
do Açúcar havia, de um lado, em número reduzido, os senhores de engenho,
suas famílias e agregados; de outro, num enorme contingente, os escravos e
seus dependentes. Assim, tudo se resumia a orbitar uma estrutura socioeconômica feudal-escravagista.
No Ciclo
do Ouro, entre os agora grandes mineradores e autoridades reais, de um lado, e os
escravos e seus dependentes, de outro, surgia então uma cada vez mais
numerosa camada intermediária composta por tropeiros, oficiais, burocratas,
soldados, clérigos, comerciantes, profissionais liberais e pequenos
mineradores, um genuíno embrião do que viria a ser uma possível classe
média. Engendrava-se a partir daí uma estrutura socioeconômica que passava
a mesclar escravagismo, feudalismo e um incipiente e rústico capitalismo que
viria a
permitir alguma mobilidade e ascensão social.
Desde
que não fosse contestadora, como se verá.
(continua) |