O Brasil e a Hora da Verdade (6)

Artigo 137, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Nov 2017

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O escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850), arguto observador do cotidiano de seu tempo, dizia em sua obra As Ilusões Perdidas: “Há duas histórias: a história oficial, mentirosa, que se ensina, e, depois, a história secreta, onde estão as verdadeiras causas dos fatos. Uma história envergonhada.”

Ao término da União Ibérica, com o fim da Dinastia Filipina (de 1580 a 1640), Portugal recuperou sua autonomia, mas ainda teve que lutar até 1668, quando, pelo Tratado de Lisboa, a Espanha enfim reconheceu sua independência.

A economia portuguesa, entretanto, encontrava-se muito fragilizada: marinha mercante arruinada, comércio depauperado, negócios na Índia em decadência.  Sua revitalização passara a depender do aumento da exploração do que então era chamado o Estado do Brasil.

Este, então a colônia Brasil, havia se tornado o maior produtor mundial de açúcar nos séculos 16 e 17, quando o produto deixara de ser apenas um meio de ocupação territorial para se tornar fim em si mesmo, tendo em vista a colonização.  Mas, como vimos, o ciclo do açúcar já começara a exibir diferenças de produtividade entre o norte, mais fértil e próspero, e o sul, cujas terras litorâneas mostravam o esgotamento que instigou as investidas dos paulistas pelo interior, dando origem ao que viriam a ser as entradas, bandeiras e monções, expedições armadas que, partindo de São Vicente, adentravam o território para captura e escravização de indígenas e, posteriormente, na busca por metais, principalmente ouro.

Paralelamente, o sucesso dos engenhos de açúcar das colônias holandesas, francesas e inglesas, também escravagistas, na América Central provocara, por concorrência, a crise do açúcar no Brasil, constituindo mais um impulso para a interiorização da exploração, reforçando a caça por escravos indígenas e a procura por metais.

Pequenos achados auríferos já eram conhecidos pelos bandeirantes, e mesmo incentivados financeiramente pela Coroa, quando, em 1697, deu-se enfim a primeira grande descoberta de ouro, na região de Taubaté, nos leitos de uma produtiva rede de rios (o garimpo de aluvião), iniciando-se ali uma corrida que atraiu milhares de novos colonos a partir de Portugal e suas outras colônias.

Mas não foi só: o encontro de terras muito férteis a partir do planalto paulista (a “terra roxa”, resultado geológico da decomposição dos derrames de basalto do Período Cretáceo que se estendem do sul de Minas Gerais até o norte do Rio Grande do Sul) fez com que o território fosse invadido também pela cana de açúcar.

As incursões seguiram adiante, estendendo o domínio da capitania paulista, e em 1698, na região da serra do Sabarabuçu, junto ao Rio das Velhas e da povoação que gerou a vila de Sabará, foi enfim encontrada uma abundante jazida de ouro; não de aluvião, mas a ser escavada.

O minério não era reluzente, como as pepitas, e sim um conglomerado de minerais de cor preta, que foi depois descoberto por toda a região, dando origem a diversas minas e à Vila Rica de Ouro Preto, entre outras (no tempo, a abundância e a diversidade mineral foram referidas como as Minas Gerais).  Em 1719, o ouro foi encontrado também em Mato Grosso; e, em 1725, em Goiás.

Não tardaram as disputas e os conflitos, como a Guerra dos Emboabas, travada de 1707 a 1709 entre os paulistas bandeirantes e os grupos de imigrantes de Portugal e outras regiões do Brasil.

Dada a abundância do ouro, a Coroa Portuguesa já havia se antecipado, criando em 1702 a Casa de Intendência das Minas com a incumbência de distribuir os lotes para exploração, fiscalizar a atividade de mineração, arbitrar as questões surgidas e cobrar os impostos, correspondentes a um quinto (20%) do ouro obtido.  Nada disto era de fácil implementação, já que a livre circulação do ouro em pó ou em pepitas tornava árdua a cobrança do Quinto e facilitava o contrabando.

Em 1720 resolveu-se então pela criação oficial das casas de fundição, onde o ouro tomava a forma de pequenas barras que recebiam o selo real, prova de que o imposto havia sido recolhido.  A posse de ouro em pó, pepitas ou barras não seladas tornou-se crime punível com a perda de todos os bens ou mesmo a condenação ao degredo.  Com o tempo, além do Quinto, Portugal passou a também cobrar de cada região uma quantidade extra de ouro, algo como uma tonelada anual.

Tal foi a fartura do metal que, entre os anos de 1700 a 1760, o Brasil produziu mais do que toda a América espanhola em quase 400 anos, resultado equivalente à metade de todo o ouro extraído no mundo entre os séculos 15 e 18.  Como o ouro é um metal pouquíssimo reagente e não se degrada, a pergunta irrefreável é: onde estará agora?

O chamado Pacto Colonial imposto por Portugal determinava que a colônia Brasil só poderia comerciar com a metrópole, sem concorrer com quaisquer produtos da matriz, ou seja, o Brasil não produziria nada que a metrópole fornecesse.

No fundo, havia também nisso a mão inglesa.  Pelo apoio militar e diplomático emprestado a Portugal em sua luta com a Espanha, a Inglaterra já então industrializada havia exigido acesso ao mercado português (que não dispunha de uma indústria forte) para a venda de suas manufaturas.  O Tratado de Methuen (1703) era um exemplo disto.  Portugal podia se beneficiar do monopólio colonial, mas o Brasil e outras colônias seriam abastecidos por produtos ingleses.

A colônia, por imposição da metrópole, tudo a ela vendia a preços aviltados, fossem metais, produtos florestais ou agrícolas tropicais etc; e dela comprava produtos manufaturados e escravos a preços altos, garantindo desta forma o lucro da metrópole em todas as transações.

O ciclo do ouro entre os séculos 17 e 18 gestou também a primeira grande mudança depois da invasão dos europeus e da introdução da cana de açúcar: decorridos pouco mais de 200 modorrentos anos de uma economia primitiva, a estrutura da pirâmide social começava a se alterar.

No Ciclo do Açúcar havia, de um lado, em número reduzido, os senhores de engenho, suas famílias e agregados; de outro, num enorme contingente, os escravos e seus dependentes.  Assim, tudo se resumia a orbitar uma estrutura socioeconômica feudal-escravagista.

No Ciclo do Ouro, entre os agora grandes mineradores e autoridades reais, de um lado, e os escravos e seus dependentes, de outro, surgia então uma cada vez mais numerosa camada intermediária composta por tropeiros, oficiais, burocratas, soldados, clérigos, comerciantes, profissionais liberais e pequenos mineradores, um genuíno embrião do que viria a ser uma possível classe média.  Engendrava-se a partir daí uma estrutura socioeconômica que passava a mesclar escravagismo, feudalismo e um incipiente e rústico capitalismo que viria a permitir alguma mobilidade e ascensão social.

Desde que não fosse contestadora, como se verá.

(continua)