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O Rei Está Nu: o Processo do Conhecimento - método científico (2) Artigo 66, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Nov 2011 © 2005-2018 Fabio Ortiz Jr |
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No artigo “Espaço e Ambiente” (Jul 2006) afirmamos que, “como sugere Hubble, fazer ciência é antes buscar ver a realidade e compreendê-la, para o bem geral. Com paciência, dedicação, talento e mente aberta, está ao alcance de quase todos nós. A escolha é nossa.” Os cientistas, pessoas que fazem ciência, homens e mulheres de qualquer idade ou parte do mundo humano, vêem problemas onde os outros nada vêem e trabalham pela sua resolução. Problemas, bem entendido, são situações que despertam a nossa curiosidade, esta força impulsora que move principalmente os jovens (mesmo os jovens de qualquer idade, como os da minha geração). Ciência envolve a observação e o registro de fatos e, assim, os cientistas lidam com questões (os problemas) tendo como força motriz a curiosidade a respeito da possível relação entre estes fatos, saber os ‘porquês’ e os ‘comos’. Fatos, no caso, são observações da realidade que podem ser confirmadas por várias pessoas e depois, no tempo, por outras mais. Como vimos nos últimos artigos, são os sinais que transformamos em dados. Recorro aqui, nestas reflexões, a um monumental trabalho realizado por centenas de cientistas, educadores e milhares de estudantes no final dos anos 50 e início dos anos 60, consubstanciado no BSCS (Biological Sciences Curriculum Study), um extenso conjunto de textos e práticas para o aprendizado do pensamento científico. Estes textos e alguns professores que tivemos fizeram toda a diferença para as vidas de minha turma de colegial. Ali percebemos que “há problemas de toda a natureza e de todas as amplitudes, logo, não é preciso ser uma pessoa excepcional para ser cientista, pois há problemas para todas as capacidades. Os problemas surgem da curiosidade inerente aos indivíduos. No seu esforço para resolvê-los, o cientista é comparado ao detetive. Ambos precisam coletar fatos, formular hipóteses e testá-las. Albert Einstein chama atenção especial para a atividade criadora envolvida na pesquisa científica”. É dele, Einstein, a reflexão: “Em quase todo romance policial, desde as admiráveis estórias de Conan Doyle, chega um momento em que o investigador já coletou todos os fatos de que necessita para solucionar pelo menos uma das etapas de seu problema. Esses fatos parecem frequentemente estranhos e incoerentes, inteiramente sem relação entre si. Contudo, o grande detetive percebe não serem necessárias mais investigações no momento e que somente o raciocínio o levará a correlacionar os fatos coletados. Então ele toca o seu violino ou descansa na sua poltrona deliciando-se com seu cachimbo quando, de repente, lhe ocorre a solução. Ele não somente tem uma explicação para os indícios de que dispunha, mas também sabe que outros acontecimentos devem ter ocorrido. Sabendo agora exatamente onde buscar o que deseja, poderá, se quiser, coletar mais dados para confirmação de sua teoria. O cientista, lendo o livro da natureza, se nos permitem repetir esse lugar comum, deve obter a solução por si, porque ele não pode, como fazem os leitores impacientes de outras estórias, ir logo ao final do livro. Em nosso caso, o leitor é também o investigador, procurando explicar, pelo menos em parte, as relações entre os |
acontecimentos em sua forma mais completa. Para obter uma solução, mesmo parcial, o cientista tem que coletar os fatos desordenados disponíveis e, por meio do seu pensamento criador, torná-los coerentes e inteligíveis.” Certamente o primeiro passo é ver o problema, senti-lo na alma e enunciá-lo de maneira clara e concisa. Mais difícil do que encontrar as respostas corretas é criar as perguntas adequadas, pois nem sempre é fácil estabelecer com clareza o que se quer saber. Einstein nos diz que “a formulação de problemas é muitas vezes mais importante que a sua solução, que pode ser apenas uma questão de habilidade matemática ou experimental. Propor problemas novos e encarar os velhos sob um novo ângulo requer imaginação criadora e é o que promove o progresso da ciência.” Como exercício, façamos uma viagem no tempo e imaginemo-nos vivendo no século 15 (1401 a 1500), em algum dos centros do que hoje conhecemos como Europa. À época, imperava como pensamento hegemônico o resultado combinado de dois dos métodos de “produção de conhecimento” que abordamos no artigo anterior: o método indutivo e o método da autoridade. Assim, o modelo cosmológico (uma interpretação do que seriam o universo e a existência) mais aceito e proclamado pela Igreja e pelo mundo medieval ainda era o geocentrismo, ou seja, a Terra era o centro do universo e todo o restante girava ao seu redor. Este modo de ver era herança de Aristóteles (384-322 a.C., grego, filósofo) e de Claudio Ptolomeu (90-168, grego nascido no Egito, matemático, físico, astrônomo, geógrafo), uma “verdade” que dirigiu a ciência, a filosofia e a religião por quase 14 séculos. Foram necessários estes quase 1.400 anos para que o cônego Nicolau Copérnico (1473-1543, polonês, matemático, astrônomo, jurista, médico) propusesse a teoria heliocêntrica (“hélios” em Grego é “Sol”), em que a Terra, na verdade, orbita o Sol, e não o contrário. Retirava Copérnico, desta forma, o Homem do centro do universo. Embora a história mostre com fartura que estas mudanças de pensamento não são fáceis e nem pacíficas, estas discussões cosmológicas eram acolhidas naquele momento por alguns membros importantes da Igreja que, impressionados favoravelmente pelo heliocentrismo, insistiram que essas idéias fossem melhor desenvolvidas. O Cardeal Bellarmino, uma importante figura da Cúria Romana, defendeu mesmo a possibilidade da reinterpretação da Bíblia, caso o heliocentrismo fosse provado cientificamente verdadeiro. Einstein mais uma vez nos esclarece, ao lembrar que "a ciência só pode determinar o que é, não o que 'deve ser', e fora de seu domínio permanece a necessidade de juízos de valor de todos os tipos." Ou seja, a ciência procura compreender a realidade e descrevê-la, para compreensão de todos; o que fazer depois disto, como veremos, é uma questão de ideologia (visão de mundo) e de ética (escolha de valores). |
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