Nenhuma das
potências europeias invasoras dos
continentes
americanos deixou de se
valer de
um
roteiro
básico:
tanto Espanha e Portugal, as precursoras,
como França, Holanda e Inglaterra guerrearam as
populações nativas, utilizaram
mão de
obra
escrava
nativa
ou importada, extraíram
intensivamente as
riquezas
naturais, instalaram
monoculturas extensivas, criaram
postos de
controle e
combate e,
finalmente, na
medida
em
que as
gerações
que se sucediam eram
já de nascidos nas
colônias, passaram a deles
cobrar
impostos
vários e
crescentes.
Tudo
em
benefício
desproporcional,
quando
não
exclusivo, das
metrópoles, às
custas das
colônias.
Aos
povos
nativos as
opções impostas eram submeterem-se à
escravidão, serem
expulsos
para
cada
vez
mais
longe, serem cooptados e absorvidos
ou
simplesmente morrerem,
quer
pela
guerra,
quer pelas
doenças trazidas
pelos
invasores. Os
escravos importados da África eram destinados a
morrerem na
travessia (cerca de um quinto)
ou
morrerem
pela
exaustão no
trabalho,
subnutrição
ou
doenças.
Já as sucessivas
gerações
seguintes,
descendentes de
colonos e da
miscigenação
forçada
ou consentida, eram submetidas a uma
exploração semi-escravista,
ou
então condenadas a se contentarem
com uma
possível
ascensão
pelos
interstícios
sociais da
prestação de
serviços, do
emprego no
comércio
ou na
administração.
Isto se dava
sempre
com o
arrocho
crescente das
metrópoles e
seus
prepostos;
quando
não eram
diretamente as
tropas
reais
ou imperiais a
vigiar e
punir, a
exploração e
repressão eram exercidas
por
grupos
ou
empresas
particulares,
como a holandesa
Companhia das Índias
Ocidentais.
Assim,
como é de se
esperar
entre
humanos,
sempre houve
indignação,
resistência e
luta.
A
violência
em
nossa
história,
assunto
indigesto
mas
real (e
sempre escamoteado
pela
história
oficial), teve e tem muitas
formas,
desde os
primeiros
massacres
indígenas, passando
pelos
motins, pelas
rebeliões,
insurreições, |
revoltas, conjurações e
guerras populares. E ainda, na medida da evolução da complexidade de nossas
classes e estamentos sociais, segue até hoje, especialmente no caso
brasileiro, disfarçada e naturalizada por mitos engenhosos.
No
período
estritamente colonial, delimitado
pela
tardia
independência de 1822,
após o
flagelo dos
guaranis
pelos
bandeirantes, seguido da
longa
resistência do
Quilombo dos
Palmares (1580-1710,
em Pernambuco) e da
Guerra Guaranítica (1753-1757, no
sul,
com
tropas espanholas e portuguesas
contra os
guaranis), emergem as
lutas entendidas
como nativistas (defesa
dos
interesses dos
aqui nascidos
frente à
extrema
exploração da
metrópole) e
separatistas (defesa
dos
ideais iluministas e da
independência da
colônia).
Podem
ser
aqui lembradas,
sem
maiores
detalhes e
como nativistas, a
Aclamação de
Amador Bueno da
Ribeira, na
Vila de
São Paulo (1641), a
Revolta de
Nosso
Pai,
em Pernambuco (1666), a
Revolta de Beckman, no Maranhão (1684), a
Guerra dos
Emboabas,
em
Minas
Gerais (1707-1709), a
Guerra dos
Mascates,
em Pernambuco (1710-1711) e a
Revolta de Felipe dos
Santos,
em
Vila
Rica (1720).
Já na
vertente
separatista,
que buscava a
independência do Brasil, e
com
forte
influência dos
acontecimentos
que resultaram na
Independência dos EUA (Revolução
Americana, 1776) e na
Revolução Francesa (1789),
destacam-se
como de
maior
importância a
Inconfidência
Mineira (1789), a
Conjuração do
Rio de
Janeiro (1794), a
Conjuração
Baiana (1798,
também
conhecida
como
Revolta dos
Alfaiates) e a
Revolução
Pernambucana (1817),
movimentos
que receberão a
seguir
nossa
melhor
atenção.
Todas
elas,
inúmeras revoltas
indígenas, de
escravos, da
classe
média
emergente e de
pequenos
empreendedores, foram
prontamente reprimidas e punidas
com
rigor,
vilania e
crueldade pelas
mãos
implacáveis dos
impérios.
Dentre os mitos poderosos incutidos nos corações e mentes brasileiros (e até mesmo acreditado a nosso respeito em outras culturas) desponta o que versa sobre a “cordialidade” nacional, um país e uma nação naturalmente pacíficos,
emotivos (talvez daí o “cordial”) e tolerantes, quando não indolentes.
Nada
mais
falso,
não
obstante o
fato de sermos,
em
geral,
alegres,
amistosos,
hospitaleiros e ainda
otimistas. E
igualmente
néscios,
porém:
profundos desconhecedores da
própria
origem, da
própria
história e dos
possíveis
destinos, somos
sobretudo desconhecedores da
própria
força.
Nossa
história de,
em
grande
proporção,
invasores
europeus, herdada e continuada, é de
violência:
opressão,
preconceito e
fúria,
baseados
desde o
início na predação e na
escravidão, campeiam e
nos governam
até
hoje solidamente enraizados na
ideologia escravagista. O
sistema de
exploração implantado no Brasil foi o
primeiro a
trazer
africanos
para a
escravidão nas Américas, foi o
que
por
mais
tempo exerceu
esse
tráfico e
nos tornou o
último
país a
formalmente aboli-la,
sem
reparação alguma e permitindo
sua
extensão disfarçada.
A
todos
nós
brasileiros será
sempre
saudável
ter
em
mente a
advertência do
notável
abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910):
"A
escravidão permanecerá
por
muito
tempo
como a
característica
nacional do Brasil...
Não
basta
acabar
com a
escravidão. É
preciso
destruir
sua
obra."
O
carnaval de 2018 foi
didático: a
Paraíso do Tuiuti (campeã
popular), demonstrou
tudo
isto;
já a
Beija-Flor (campeã no ideário
Global), o escondeu.
(continua) |