O Brasil e a Hora da Verdade (9)

Artigo 140, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Mar 2018

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Em seu reinado sobre Portugal, de 1750 a 1777, D. José I teve como primeiro ministro Sebastião Carvalho e Melo, conhecido a partir de 1769 pelo título de Marquês de Pombal, figura rica em complexidade e controvérsias na história portuguesa.  Atenhamo-nos aqui naquilo que toca ao Brasil-colônia.

Observando tendência adotada pelas monarquias europeias, derivada parcialmente das noções de razão e de progresso dos ideais iluministas, rei e ministro buscavam sanear a economia deficitária, racionalizando a administração do império e reforçando as práticas mercantis com as colônias.

Em seu “choque de gestão”, o Marquês – depois demitido em 1777 pela ascensão de D. Maria I (que reinou até 1815, ano da derrocada do francês Napoleão Bonaparte) e também por influência inglesa – por uma série de medidas diminuiu os poderes da nobreza e do clero em Portugal e criou no Brasil companhias de comércio na Paraíba, em Pernambuco e no então Grão-Pará.  Aqui Pombal ampliou a produção de algodão, tendo em vista o mercado inglês, e reforçou o controle e a cobrança nas regiões mineiras, criando o novo imposto da Derrama para a cobrança compulsória e coletiva dos impostos da colônia em atraso.  Além disto, efetuou tenaz perseguição aos jesuítas (em geral formados pelas universidades de Évora e Coimbra) e seu trabalho tanto em Portugal como no Brasil, apoiado na ideia de que sua forte presença na educação tolhia as mentes modernizadoras.  No caso do Brasil, Pombal acreditava que a influência jesuítica junto aos indígenas, na produção de riquezas dentro das missões e em seus conflitos com os colonos, desafiava a autoridade da metrópole, concentrada no rei.  Conseguiu assim que os jesuítas fossem expulsos em 1759, tanto os de Portugal como os missionários no Brasil, e que não mais fossem dirigentes de instituições de ensino.  Buscando centralizar a estrutura administrativa, extinguiu as capitanias hereditárias, proibiu a escravidão indígena no Brasil (talvez porque, por parte distante de mãe, descendesse de índia tabajara), eliminou os resquícios de escravatura em Portugal e decretou, em 1773, o fim da distinção entre cristãos e cristãos-novos (judeus, muçulmanos ou seus descendentes então “convertidos”).

A Derrama, imposto cumulativo, era uma ameaça permanente às comunidades mineiras: caso o Quinto (proporcional à produção) e mais o imposto anual por região (100 arrobas, 1.500 kg em ouro), a cargo do governador da capitania das Minas Gerais, D. Luís da Cunha Meneses em 1783, não fossem alcançados, toda a comunidade poderia sofrer a Derrama, sendo literalmente saqueada pelas tropas imperiais em seus pertences até que o valor fosse alcançado.

O pensamento insaciável da Coroa não avaliava o progressivo esgotamento da exploração aurífera e diamantina, atribuindo a queda na arrecadação à sonegação e ao contrabando.  Apesar do declínio, as cotas foram atingidas até 1766, quando então começa o déficit; e o acúmulo anual das dívidas.

A crise da Capitania se agravara com a nomeação, em 1782, de Cunha Meneses a governador das Minas Gerais, que havia começado por afastar a elite mineira das poucas instâncias de poder, afirmando o controle da metrópole sobre a região.

Com o objetivo de cobrar as dívidas da Capitania, resolveu a Coroa nomear como novo governador, em 1788, a Luís António Furtado de Castro, o Visconde de Barbacena, incumbido da arrecadação total da produção e da aplicação da Derrama.

Como vimos, o ambiente já se tornara opressivo para além do suportável com a publicação do Alvará de 1785, que fechava as manufaturas da colônia e a obrigava, arruinada, a consumir os caros produtos importados.  Desde o início do declínio do ouro, antecedentes de motins e rebeliões estalavam pelas Minas Gerais: Curvelo em 1760-1763 e 1776, Mariana em 1769, Sabará em 1775, explosões de justa revolta e também de violência, mas sem articulação ou consequências práticas além da repressão desencadeada.

Vila Rica (hoje Ouro Preto) já então se tornara centro econômico e intelectual da colônia: em 1786, vinte e sete brasileiros estudavam na Universidade de Coimbra; e doze deles eram da capitania das Minas.  Nas condições dadas, com um caldo de cultura longamente alentado pela opressão e agora com a iminência da aplicação da Derrama, que configurava um colapso certo para a comunidade, a eclosão do conflito era fatal.

As reações, as conversas, reuniões, preparos que se arrastavam nos últimos anos, intensificaram-se para o embate próximo; e os líderes do movimento eram na realidade parte da elite que fora afastada: mineradores, padres, intelectuais, advogados, magistrados, grandes proprietários, militares.

Rebelar-se apenas, como nas revoltas anteriores, era claramente insuficiente. Era preciso saber não só o que derrubar, mas principalmente o que colocar em seu lugar.  Se algumas das principais questões eram consensuais entre os "inconfidentes" (sendo esta, como veremos, uma denominação bastante imprópria), noutras havia alguma divergência.

Não existindo ainda uma identidade nacional desenvolvida para toda a colônia, a ambição territorial do movimento não ultrapassava a região das Minas Gerais, que, caso fossem bem sucedidos, se tornaria uma república com clara inspiração na independência americana (os conjurados até mesmo buscaram, sem êxito, apoio americano).  A capital seria São João Del Rei e o primeiro presidente seria Tomás Antônio Gonzaga, jurista, desembargador e poeta.  Uma bandeira, atendendo às necessidades simbólicas, já havia sido projetada, resultado das várias sugestões de líderes como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e José Ignácio de Alvarenga Peixoto, além de Joaquim José da Silva Xavier, com nítidas referências maçônicas e à Revolução Francesa.  Seu dístico em latim, Libertas quæ sera tamen (entendido como 'Liberdade ainda que tardia'), era uma adaptação de um verso do poeta romano Virgilio numa de suas principais obras, Éclogas (também conhecida como Bucólicas), em que trata de um momento revolucionário, entre 44 a.C. e 38 a.C., em Roma.

Como medidas de implementação rápida para a consolidação das mudanças, previa-se a criação do serviço militar obrigatório e a fundação de uma universidade em Vila Rica, seguidas pela instalação de indústrias por todo o país e a criação de uma espécie de bolsa de amparo às famílias numerosas e carentes, a maioria da população.

Com relação à escravidão, entretanto, não havia consenso: a exemplo da Revolução Americana pela independência dos EUA, o pensamento majoritário dos revoltosos inconfidentes não propugnava por sua abolição.  Surgiria assim eventualmente uma estranha república escravagista, talvez uma antiga Grécia rediviva.

No ideário brasileiro dos últimos séculos, o mês de Abril tem nos reservado duas celebrações simbólicas: a Páscoa e a Inconfidência Mineira.  Como veremos, nem tudo é o que parece.

(continua)