Em seu reinado sobre
Portugal, de 1750 a 1777, D. José I teve como primeiro ministro Sebastião
Carvalho e Melo, conhecido a partir de 1769 pelo título de Marquês de
Pombal, figura rica em complexidade e controvérsias na história portuguesa.
Atenhamo-nos aqui naquilo que toca ao Brasil-colônia.
Observando tendência
adotada pelas monarquias europeias, derivada parcialmente das noções de
razão e de progresso dos ideais iluministas, rei e ministro buscavam sanear
a economia deficitária, racionalizando a administração do império e
reforçando as práticas mercantis com as colônias.
Em seu “choque de gestão”,
o Marquês – depois demitido em 1777 pela ascensão de D. Maria I (que reinou
até 1815, ano da derrocada do francês Napoleão Bonaparte) e também por
influência inglesa – por uma série de medidas diminuiu os poderes da nobreza
e do clero em Portugal e criou no Brasil companhias de comércio na Paraíba,
em Pernambuco e no então Grão-Pará. Aqui Pombal ampliou a produção de
algodão, tendo em vista o mercado inglês, e reforçou o controle e a cobrança
nas regiões mineiras, criando o novo imposto da Derrama para a cobrança
compulsória e coletiva dos impostos da colônia em atraso. Além disto,
efetuou tenaz perseguição aos jesuítas (em geral formados pelas
universidades de Évora e Coimbra) e seu trabalho tanto em Portugal como no
Brasil, apoiado na ideia de que sua forte presença na educação tolhia as
mentes modernizadoras. No caso do Brasil, Pombal acreditava que a
influência jesuítica junto aos indígenas, na produção de riquezas dentro das
missões e em seus conflitos com os colonos, desafiava a autoridade da
metrópole, concentrada no rei. Conseguiu assim que os jesuítas fossem
expulsos em 1759, tanto os de Portugal como os missionários no Brasil, e que
não mais fossem dirigentes de instituições de ensino. Buscando centralizar
a estrutura administrativa, extinguiu as capitanias hereditárias, proibiu a
escravidão indígena no Brasil (talvez porque, por parte distante de mãe, descendesse
de índia tabajara), eliminou os resquícios de escravatura em Portugal e
decretou, em 1773, o fim da distinção entre cristãos e cristãos-novos
(judeus, muçulmanos ou seus descendentes então “convertidos”).
A Derrama, imposto
cumulativo, era uma ameaça permanente às comunidades mineiras: caso o Quinto
(proporcional à produção) e mais o imposto anual por região (100 arrobas,
1.500 kg em ouro), a cargo do governador da capitania das Minas Gerais, D.
Luís da Cunha Meneses em 1783, não fossem alcançados, toda a comunidade
poderia sofrer a Derrama, sendo literalmente saqueada pelas tropas imperiais
em seus pertences até que o valor fosse alcançado.
O pensamento insaciável da
Coroa não avaliava o progressivo esgotamento da exploração aurífera e
diamantina, atribuindo a queda na arrecadação à sonegação e ao contrabando.
Apesar do declínio, as cotas foram atingidas até 1766, quando então começa o
déficit; e o acúmulo anual das dívidas.
A crise da Capitania se
agravara com a nomeação, em 1782, de Cunha Meneses a governador das Minas
Gerais, que havia começado por afastar a elite mineira das poucas instâncias
de poder, afirmando o controle da metrópole sobre a região.
Com o objetivo de cobrar
as dívidas da Capitania, resolveu a Coroa nomear como novo governador, em
1788, a Luís António Furtado de Castro, o Visconde de Barbacena, incumbido
da arrecadação total da produção e da aplicação da Derrama.
Como vimos, o ambiente já
se tornara opressivo para além do suportável com a publicação do Alvará de
1785, que fechava as manufaturas da colônia e a obrigava, arruinada, a
consumir os caros produtos importados. Desde o início do declínio do ouro,
antecedentes de motins e rebeliões estalavam pelas Minas Gerais: Curvelo em
1760-1763 e 1776, Mariana em 1769, Sabará em 1775, explosões de justa
revolta e também de violência, mas sem articulação ou consequências práticas
além da repressão desencadeada.
Vila Rica (hoje Ouro
Preto) já então se tornara centro econômico e intelectual da colônia: em
1786, vinte e sete brasileiros estudavam na Universidade de Coimbra; e doze
deles eram da capitania das Minas. Nas condições dadas, com um caldo de
cultura longamente alentado pela opressão e agora com a iminência da
aplicação da Derrama, que configurava um colapso certo para a comunidade, a
eclosão do conflito era fatal. |
As reações, as conversas,
reuniões, preparos que se arrastavam nos últimos anos, intensificaram-se
para o embate próximo; e os líderes do movimento eram na realidade parte da
elite que fora afastada: mineradores, padres, intelectuais, advogados,
magistrados, grandes proprietários, militares.
Rebelar-se apenas, como
nas revoltas anteriores, era claramente insuficiente. Era preciso saber não
só o que derrubar, mas principalmente o que colocar em seu lugar. Se
algumas das principais questões eram consensuais entre os "inconfidentes"
(sendo esta, como veremos, uma denominação bastante imprópria), noutras havia
alguma divergência.
Não existindo ainda uma
identidade nacional desenvolvida para toda a colônia, a ambição territorial
do movimento não ultrapassava a região das Minas Gerais, que, caso fossem
bem sucedidos, se tornaria uma república com clara inspiração na
independência americana (os conjurados até mesmo buscaram, sem êxito, apoio
americano). A capital seria São João Del Rei e o primeiro presidente seria
Tomás Antônio Gonzaga, jurista, desembargador e poeta. Uma bandeira,
atendendo às necessidades simbólicas, já havia sido projetada, resultado das
várias sugestões de líderes como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio
Gonzaga e José Ignácio de Alvarenga Peixoto, além de Joaquim José da Silva
Xavier, com nítidas referências
maçônicas e à Revolução Francesa. Seu dístico em latim, Libertas quæ sera
tamen (entendido como 'Liberdade ainda que tardia'), era uma adaptação de um
verso do poeta romano Virgilio numa de suas principais obras, Éclogas
(também conhecida como Bucólicas), em que trata de um momento revolucionário, entre
44 a.C. e 38 a.C., em Roma.
Como medidas de
implementação rápida para a consolidação das mudanças, previa-se a criação
do serviço militar obrigatório e a fundação de uma universidade em Vila
Rica, seguidas pela instalação de indústrias por todo o país e a criação de
uma espécie de bolsa de amparo às famílias numerosas e carentes, a maioria
da população.
Com relação à escravidão,
entretanto, não havia consenso: a exemplo da Revolução Americana pela
independência dos EUA, o pensamento majoritário dos revoltosos inconfidentes
não propugnava por sua abolição. Surgiria assim eventualmente uma estranha
república escravagista, talvez uma antiga Grécia rediviva.
No ideário brasileiro dos
últimos séculos, o mês de Abril tem nos reservado duas celebrações simbólicas: a
Páscoa e a Inconfidência Mineira. Como veremos, nem tudo é o que parece.
(continua) |