O Brasil e a Hora da Verdade (10)

Artigo 141, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Abr 2018

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Em 1755, no Dia de Todos os Santos, Portugal sofreu os efeitos de um terrível terremoto, com epicentro ao largo de seu litoral, seguido de um devastador tsunami.  Estima-se que o abalo tenha alcançado entre 8,7 e 9 graus de magnitude na Escala Richter, afetando não apenas Portugal, mas o noroeste da África e outros pontos distantes, tendo as ondas do mar chegado mesmo ao Brasil.

Lisboa, então com cerca de 250 mil habitantes, foi quase toda destruída, não só pelo abalo e pela invasão do mar, mas também pelos incêndios que perduraram por oito dias.  Dentre a população lisboeta cerca de 40 mil pessoas pereceram, palácios, igrejas e habitações ruíram e a família real de D. José I sobreviveu apenas por se encontrar a passeio no campo, em Belém, embora esta também tenha sido devastada.

Encarregou-se da reconstrução o Marquês de Pombal, que a financiou com o ouro arrecadado no Brasil, especialmente da capitania das Minas; ouro este que já financiava a Revolução Industrial na Inglaterra por meio do controle que esta mantinha sobre Portugal.  Impôs-se assim mais um tributo ao Brasil, denominado “subsídio voluntário”, pelo prazo de dez anos; findo este período, decidiu-se a Coroa por prorrogá-lo por mais dez anos...

Com a morte de D. José I em 1777, assume o trono, em definitivo, a regente D. Maria I, sua filha, que logo afasta Pombal e toma Martinho de Melo e Castro, desde 1770 Secretário da Marinha e do Ultramar, como seu novo ministro forte.  Se Pombal oferecia alguma resistência à Inglaterra, agora Martinho, tão incompetente quanto retrógrado, oferece nenhuma; se em Portugal D. Maria I, beata excessiva, era conhecida como “a Piedosa”, no Brasil recebia o epíteto de “a Louca”.

Melo e Castro não admitia que no Brasil o declínio da arrecadação de ouro se desse pelo mero esgotamento das minas; para ele, isto era devido só a contrabando e sonegação.  O Alvará de 1785, ao decretar o fechamento das poucas manufaturas e teares, procurava também empurrar parte da população de volta à mineração para o aumento da produção aurífera.  A taxação crescente da colônia (por escravos, bois e cavalos, produtos agrícolas, comércio, trânsito, produção, auxílio de calamidades públicas, por nascimento, casamento ou óbito de reis e príncipes), sem contrapartida justa e junto ao empobrecimento da incipiente classe média, elevou as tensões ao máximo.  Como dizia, já em 1620, Frei Vicente do Salvador, “nenhum governante faz melhorias na colônia, ainda que bebam água suja e se molhem ao passar pelos rios ou se orvalhem nos caminhos, e tudo isso vem de não tratarem do que há de ficar, senão do que hão de levar para o reino”.  Quase todos os que se aventuravam ou eram mandados ao Brasil aqui estavam “de passagem”.

Foi nesta altura que, postados em lugares públicos ou de mão em mão, começaram a circular em Vila Rica folhetos e cartazes manuscritos com poemas anônimos e satíricos, em que eram retratados personagens e acontecimentos de um fictício Chile.  Em seu conjunto, estes poemas receberam o nome de Cartas Chilenas, mas o fato que todos podiam constatar era que tudo se passava como no cotidiano mineiro, com abuso de poder, vícios e mazelas da administração colonial, corrupção e prevaricação das autoridades.

O então governador D. Luís da Cunha Meneses, odiado por sua rudeza, devassidão e corrupção, já havia sido alertado a respeito da pregação aberta de um certo alferes (posto equivalente a tenente) sobre uma revolta, a que não deu maior atenção.

O grupo que se reunia secretamente (e que articulava um contingente maior de pessoas que aguardavam o dia da revolta) era composto por vários integrantes da classe média ou mesmo da elite mineira, como Domingos Vidal de Barbosa (médico, fazendeiro), José Álvares Maciel (engenheiro, mineralogista), Cláudio Manuel da Costa (de família enriquecida na mineração, havia estudado em Coimbra e era alto funcionário da administração colonial), Alvarenga Peixoto (poeta, minerador, latifundiário e ouvidor – o equivalente a juiz – formado em Coimbra), Tomás Antônio Gonzaga (escritor, poeta, ouvidor em Vila Rica, formado em Coimbra), Francisco de Paula Freire (tenente-coronel e comandante do Regimento dos Dragões, logo abaixo do governador), Carlos Correia de Toledo (padre), José da Silva e Oliveira Rolim (sargento-mor e padre), Francisco Antônio de Oliveira Lopes (coronel) e sua esposa Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (filha de Pedro Teixeira de Carvalho, rico minerador e capitão-mor da Vila de São José, atual Tiradentes).

O alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, não era rico, nem pobre e não fazia parte da elite: habilidoso e filho de um pequeno fazendeiro, ganhou a vida como militar, dentista e médico ocasional, tendo sido antes tropeiro, comerciante e minerador.  Era o mais fervoroso e ativo divulgador dos ideais de libertação junto à população, o que fazia muitas vezes de maneira imprudente, aberta e franca.  Não gozava, entretanto, de muita intimidade com o núcleo dirigente dos insurgentes, embora fizesse presença em várias das reuniões.

Em julho de 1788 a dívida da colônia já somava 5.760 quilos de ouro em impostos “atrasados”, valor que ao final do ano já se tornaria bem maior, e o Visconde de Barbacena era o novo governador da capitania, nomeado com a expressa instrução de finalmente desencadear a Derrama.

Resolveram então os inconfidentes marcar a insurreição para o dia da cobrança, que era esperada para fevereiro seguinte.  Calculavam que, como a Derrama não pouparia ninguém, a população naturalmente se revoltaria, dando-lhes assim seu total apoio.  Face às hesitações do Visconde, nutriam até mesmo a hipótese de este afinal poderia vir a aderir ao movimento e ocupar um lugar central no novo arranjo político.

Entre os revoltosos endividados com a Coroa, havia, porém, três outros participantes, todos eles portugueses, que faziam cálculos pessoais alternativos: o mestre de campo Inácio Correia Pamplona, que vivia das rendas de suas terras, o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, grande proprietário, com lavras de ouro e muitos escravos, e o coronel Joaquim Silvério dos Reis, proprietário de fazendas, muitos escravos e também agiota.

Como os portugueses bem sabem, reza um antigo provérbio, atribuído ao faraó Ramsés II (1279 a.C. - 1213 a.C.), que “a força de uma corrente depende da força de seu elo mais fraco”.

(continua)