Em 1755, no Dia de Todos
os Santos, Portugal sofreu os efeitos de um terrível terremoto, com
epicentro ao largo de seu litoral, seguido de um devastador tsunami.
Estima-se que o abalo tenha alcançado entre 8,7 e 9 graus de magnitude na
Escala Richter, afetando não apenas Portugal, mas o noroeste da África e
outros pontos distantes, tendo as ondas do mar chegado mesmo ao Brasil.
Lisboa, então com cerca de
250 mil habitantes, foi quase toda destruída, não só pelo abalo e pela
invasão do mar, mas também pelos incêndios que perduraram por oito dias.
Dentre a população lisboeta cerca de 40 mil pessoas pereceram, palácios,
igrejas e habitações ruíram e a família real de D. José I sobreviveu apenas
por se encontrar a passeio no campo, em Belém, embora esta também tenha sido
devastada.
Encarregou-se da
reconstrução o Marquês de Pombal, que a financiou com o ouro arrecadado no
Brasil, especialmente da capitania das Minas; ouro este que já financiava a
Revolução Industrial na Inglaterra por meio do controle que esta mantinha
sobre Portugal. Impôs-se assim mais um tributo ao Brasil, denominado
“subsídio voluntário”, pelo prazo de dez anos; findo este período,
decidiu-se a Coroa por prorrogá-lo por mais dez anos...
Com a morte de D. José I
em 1777, assume o trono, em definitivo, a regente D. Maria I, sua filha, que
logo afasta Pombal e toma Martinho de Melo e Castro, desde 1770 Secretário
da Marinha e do Ultramar, como seu novo ministro forte. Se Pombal oferecia
alguma resistência à Inglaterra, agora Martinho, tão incompetente quanto
retrógrado, oferece nenhuma; se em Portugal D. Maria I, beata excessiva, era
conhecida como “a Piedosa”, no Brasil recebia o epíteto de “a Louca”.
Melo e Castro não admitia
que no Brasil o declínio da arrecadação de ouro se desse pelo mero
esgotamento das minas; para ele, isto era devido só a contrabando e
sonegação. O Alvará de 1785, ao decretar o fechamento das poucas
manufaturas e teares, procurava também empurrar parte da população de volta
à mineração para o aumento da produção aurífera. A taxação crescente da
colônia (por escravos, bois e cavalos, produtos agrícolas, comércio,
trânsito, produção, auxílio de calamidades públicas, por nascimento,
casamento ou óbito de reis e príncipes), sem contrapartida justa e junto ao
empobrecimento da incipiente classe média, elevou as tensões ao máximo.
Como dizia, já em 1620, Frei Vicente do Salvador, “nenhum governante faz
melhorias na colônia, ainda que bebam água suja e se molhem ao passar pelos
rios ou se orvalhem nos caminhos, e tudo isso vem de não tratarem do que há
de ficar, senão do que hão de levar para o reino”. Quase todos os que se
aventuravam ou eram mandados ao Brasil aqui estavam “de passagem”. |
Foi nesta altura que,
postados em lugares públicos ou de mão em mão, começaram a circular em Vila
Rica folhetos e cartazes manuscritos com poemas anônimos e satíricos, em que
eram retratados personagens e acontecimentos de um fictício Chile. Em seu
conjunto, estes poemas receberam o nome de Cartas Chilenas, mas o fato que
todos podiam constatar era que tudo se passava como no cotidiano mineiro,
com abuso de poder, vícios e mazelas da administração colonial, corrupção e
prevaricação das autoridades.
O então governador D. Luís
da Cunha Meneses, odiado por sua rudeza, devassidão e corrupção, já havia
sido alertado a respeito da pregação aberta de um certo alferes (posto
equivalente a tenente) sobre uma revolta, a que não deu maior atenção.
O grupo que se reunia
secretamente (e que articulava um contingente maior de pessoas que
aguardavam o dia da revolta) era composto por vários integrantes da classe
média ou mesmo da elite mineira, como Domingos Vidal de Barbosa (médico,
fazendeiro), José Álvares Maciel (engenheiro, mineralogista), Cláudio Manuel
da Costa (de família enriquecida na mineração, havia estudado em Coimbra e
era alto funcionário da administração colonial), Alvarenga Peixoto (poeta,
minerador, latifundiário e ouvidor – o equivalente a juiz – formado em
Coimbra), Tomás Antônio Gonzaga (escritor, poeta, ouvidor em Vila Rica,
formado em Coimbra), Francisco de Paula Freire (tenente-coronel e comandante
do Regimento dos Dragões, logo abaixo do governador), Carlos Correia de
Toledo (padre), José da Silva e Oliveira Rolim (sargento-mor e padre),
Francisco Antônio de Oliveira Lopes (coronel) e sua esposa Hipólita Jacinta
Teixeira de Melo (filha de Pedro Teixeira de Carvalho, rico minerador e
capitão-mor da Vila de São José, atual Tiradentes).
O alferes Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes, não era rico, nem pobre e não fazia parte da
elite: habilidoso e filho de um pequeno fazendeiro, ganhou a vida como
militar, dentista e médico ocasional, tendo sido antes tropeiro, comerciante
e minerador. Era o mais fervoroso e ativo divulgador dos ideais de
libertação junto à população, o que fazia muitas vezes de maneira
imprudente, aberta e franca. Não gozava, entretanto, de muita intimidade
com o núcleo dirigente dos insurgentes, embora fizesse presença em várias
das reuniões.
Em julho de 1788 a dívida
da colônia já somava 5.760 quilos de ouro em impostos “atrasados”, valor que
ao final do ano já se tornaria bem maior, e o Visconde de Barbacena era o
novo governador da capitania, nomeado com a expressa instrução de finalmente
desencadear a Derrama.
Resolveram então os
inconfidentes marcar a insurreição para o dia da cobrança, que era esperada
para fevereiro seguinte. Calculavam que, como a Derrama não pouparia
ninguém, a população naturalmente se revoltaria, dando-lhes assim seu total
apoio. Face às hesitações do Visconde, nutriam até mesmo a hipótese de este
afinal poderia vir a aderir ao movimento e ocupar um lugar central no novo
arranjo político.
Entre os revoltosos
endividados com a Coroa, havia, porém, três outros participantes, todos eles
portugueses, que faziam cálculos pessoais alternativos: o mestre de campo
Inácio Correia Pamplona, que vivia das rendas de suas terras, o
tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago, grande proprietário, com
lavras de ouro e muitos escravos, e o coronel Joaquim Silvério dos Reis,
proprietário de fazendas, muitos escravos e também agiota.
Como os portugueses bem
sabem, reza um antigo provérbio, atribuído ao faraó Ramsés II (1279 a.C. -
1213 a.C.), que “a força de uma corrente depende da força de seu elo mais
fraco”.
(continua) |