O início do ano
de 1789 encontra o ambiente da capitania das Minas Gerais mergulhado em um
impasse: já em fevereiro, ninguém se atrevia a dar o primeiro passo. O
governador, Visconde de Barbacena, aconselhado à prudência pela rainha D.
Maria I, hesitava em decretar a Derrama, pois temia o descontentamento
geral, faltando-lhe aferir em que intensidade este se daria. Do lado dos
revoltosos, crescia a angústia pela demora na deflagração do movimento de
independência.
Ávido
por
uma
solução,
Tiradentes viaja
em
março
para
o
Rio
de
Janeiro
com
a
finalidade
de
contatar
aliados
nas
tropas
e
conseguir
mais
armas,
enquanto
Tomás Gonzaga se reúne
com
o
governador
para
saber
da
iminente
Derrama,
procurando incitá-lo a
dar
início
à
cobrança.
Este,
desconfiado
e
já
algo
informado a
respeito
de uma
possível
revolta,
protela
sua
decisão.
No
caminho
para
o
Rio,
Tiradentes
encontra
o
coronel
Joaquim Silvério dos
Reis,
que
atendia a
um
chamado do
governador
para
prestar
contas
de
suas
consideráveis
dívidas,
e Tiradentes
lhe
conta
a
respeito
dos
preparativos
e da iminência da
revolta.
Retornando a
Vila
Rica,
o
coronel,
talvez
avaliando as
dissensões
internas e as
fragilidades
do
movimento,
faz
cálculos
e decide
propor
uma
delação
ao
governador
em
troca
de
suas
muitas
dívidas.
Sempre
receoso,
o
Visconde
pede
que
o
coronel
escreva
sua
denúncia,
pondera
por
alguns
dias
e suspende a
Derrama,
decidindo-se
por
fim,
em
meados
de
abril,
a
enviar
Joaquim Silvério ao
Rio
para
apresentar-se
diretamente
ao vice-rei, D. Luís de Vasconcelos e Souza,
seu
tio,
na
capital.
Tiradentes é
ali
observado
em
sua
movimentação,
percebe a
vigilância
e
busca
se
refugiar
na
casa
de
um
conhecido,
onde
é
afinal
detido
em
10 de
maio.
Já
o
esquema
de
suborno
do
Visconde
na
capitania
mineira
garantiu
que
vários
dos
ricos
participantes da
conjuração
fossem mantidos
longe
das
investigações.
Mesmo
negando
qualquer
participação,
com
a
única
exceção
de Tiradentes,
que
depois
chamou
toda
a
responsabilidade
para
si,
praticamente
todos
os conjurados foram
presos
e submetidos a
processo
(Autos
da
Devassa),
sendo
em
sua
maioria
condenados à
morte
por
enforcamento
(11 deles)
em
abril
de 1792. As demais
penas
foram as
condenações
ao
degredo
perpétuo
(6), ao
exílio
por
dez
anos
(2), às
galés
(trabalhos
forçados,
1)
ou
"mandados
em
paz"
(por
pena
já
cumprida, 2).
Três
dos conjurados morreram no
cárcere
durante
o
processo,
entre
eles
Cláudio Manoel da
Costa,
ainda
em
Vila
Rica,
provavelmente assassinado. Aos
cinco
clérigos
foram ministradas,
em
autos
à
parte,
sentenças
sigilosas, sendo
eles
recolhidos a Portugal.
Todos
os
bens
dos condenados foram confiscados e
somente
quatro
réus
foram absolvidos
por
falta
de
provas.
Embora
o
processo
tenha consumido
três
anos,
foi acelerado
em
seu
final,
tendo José de
Oliveira
Fagundes,
advogado
da
Santa
Casa
(a defensoria
pública
da
época),
sido nomeado
em
outubro
de 1791
para
a
defesa
e sendo os
réus,
no
mesmo
dia,
intimados da
pronúncia
e da nomeação do
defensor.
Este
recebeu,
dois
dias
após
sua
nomeação, o
exíguo
prazo
de
cinco
dias
para
o
exame
do
volumoso
processo
e a
defesa
de
todos
os
réus,
num
evidente
caso
de pré-julgamento.
Mesmo
réus
mais
abastados,
como
José Álvares Maciel, Francisco de Paula Freire de Andrade e Alvarenga
Peixoto foram impedidos de
constituir
advogados.
Não
obstante,
Fagundes produziu,
embora
em
vão,
notável
trabalho
de
defesa,
mesmo
tendo
apenas
24h
para
os
recursos
após
a promulgação das
sentenças
adrede
preparadas.
Por
se reconhecerem os
réus
culpados de
traição,
as
condenações
à
morte
foram
afinal
comutadas, às
vésperas
da
execução,
para
degredo
perpétuo
na África (sabe-se
hoje
que
esta
medida
fora
já
preparada
antes
mesmo
da
condenação),
exceto
para
o
caso
de Tiradentes. A
Coroa
não
prescindia de uma
punição
exemplar,
um
símbolo
definitivo
de
supremacia.
Tiradentes morreu
no
dia
21 de
abril
de 1792, executado no
campo
de
São
Domingos
(Campo
da Lampadosa), no
Rio
de
Janeiro,
diante
de
enorme
aparato
e
população,
sendo
depois
seu
corpo
esquartejado e
exposto
à
execração
pública
em
várias
localidades
da
Capitania
das
Minas
e a
certidão
de
cumprimento
da
sentença
lavrada
com
seu
|
próprio
sangue.
Determinou
ainda
a
Coroa
a demolição de
sua
casa,
o salgamento do
terreno,
para
que
ali
nada
mais
nascesse, e a
declaração
de
infames
para
todos
os
seus
descendentes
(Tiradentes
tinha
dois
filhos,
Joaquina e João).
Em sua defesa, já
nos autos, disse Tiradentes: “(...) poderia assim suceder que essa terra
se fizesse uma república, e ficasse livre dos governos, que só vêm cá
ensopar-se em riquezas de três em três anos, e quando eles estão
desinteressados sempre têm uns criados, que são uns ladrões, e que as
potências estrangeiras se admiravam, de que a América Portuguesa não se
subtraísse da sujeição de Portugal”.
Falar
de
inconfidência
é
tratar
de
infidelidade
ou
deslealdade
para
com
um
governante
ou
estado,
no
caso,
um
crime
de lesa-majestade; é a
versão,
a
história
contada
pelo
dominador.
Já
falar
de
conjuração
é
procurar
trazer
os
fatos
à
luz,
o relato
pelo
ponto
de
vista
do dominado
que
busca
sua
libertação,
um
ato
legítimo
e
heróico.
Tiradentes,
por
provável
decorrência
das infelicidades
em
sua
infância
(perdeu a
mãe
aos 9
anos
e o
pai
aos 11, sendo a
fazenda
da
família
restante,
nove
órfãos,
vendida
por
conta
de
dívidas),
assim
como
das
vicissitudes
e
suas
superações na
fase
adulta,
era
afeito
e
solidário
à
vida
do bas-fond, a
ralé,
a marginália da
sociedade.
Uma das consequências disto
era,
malgrado
sua
coragem
e
competência
(provada
até
mesmo
como
um
improvisado
engenheiro
sanitarista),
a
postergação
continuada de
suas
devidas
promoções
na
carreira
militar
por
parte
de
seus
superiores,
que,
além
de
não
o terem
como
integrante
da
aristocracia
dominante,
consideravam-no
um
oficial
de
espírito
“incontrolável”.
Tiradentes
não
concebeu a
Conjuração
Mineira,
nem
era
o
seu
líder,
embora
tivesse se
tornado
seu
mais
fervoroso
defensor;
a
ela
aderiu
quando
soube de
sua
articulação.
Era,
à
sua
maneira,
uma
espécie
de
herói
exuberante;
e
imprudente,
tornado
símbolo
de
nossa
independência
só
muito
mais
tarde,
por
razões
que
viremos a
examinar.
Esta
não
seria a
primeira
e
nem
a
última
vez
em
que
a
impaciência
em
Minas
Gerais
precipitaria os
fatos:
no
caso
de Tiradentes e a
Conjuração
Mineira,
a
desfavor
dos revoltosos e de
seu
projeto
de
independência;
já
em
1964, num
ambiente
de
impasse
algo
semelhante,
também
a
desfavor
de nossas
sempre
incipientes
e precárias
república
e
democracia.
Naquela
altura,
final
do
século
18, a
maior
parte
do
nosso
ouro
reluzente
já
havia sido saqueada e destinada às
potências
europeias,
principalmente
à Inglaterra e
sua
Revolução
Industrial,
que
a faria dominadora do
mundo
por
mais
de
um
século.
Já
a
partir
do
golpe
de 2016 o
objeto
do
saque
é o
ouro
negro,
o
petróleo
do
nosso
pré-sal, destinado a
sustentar
a
lenta
e
inexorável
agonia
do
império
mundial
norte-americano.
Quanto
a Joaquim Silvério dos
Reis,
em
janeiro
de 1790 o
delator
foi libertado da
prisão
na
Ilha
das
Cobras;
recompensado
com
o
perdão
de
suas
dívidas,
ganhou
pensão
vitalícia,
cargo
público
em
Minas
Gerais,
uma
mansão
e
condecorações.
Assim,
inaugurou nestas
plagas
uma
moda
que
pegou:
certos
crimes
compensam,
muito,
a
depender
de
quem
os faz e a
quem
beneficiam.
(continua) |