Uma Síntese Necessária (2)

Artigo 41, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Out 2009

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Continuemos a tecer uma síntese necessária.

Todo o esforço humano é, em tese, voltado à busca de melhor qualidade de vida, em Filosofia – “phílos”, em Grego, significa “amigo”, “amante” e “sophia” é “conhecimento”, “saber” – a chamada “vida boa”, aquela que atende a nossas necessidades básicas, provê alimento, abrigo, condições para a saúde e a educação, a ocupação, o lazer e a cultura, a liberdade, os laços sociais e a perpetuação; em suma, a perspectiva e o exercício de uma vida justa.

Entretanto, não é isto que a realidade cotidiana nos revela.  A todo momento estamos expostos às incoerências, os conflitos entre princípios gerais,  circunstâncias e conveniências egocêntricas.

Se em alguns países o grande divisor, longe de ser o único, é a cor da pele, promovendo uma segregação racial, já em outros pode ser a origem social, promovendo uma segregação por castas; ou então a religião, promovendo uma odiosa segregação que em tudo contraria os fundamentos da própria religiosidade.  Já em nosso Brasil, o divisor principal é a condição sócio-econômica, o maior preconceito dá-se contra a pobreza e seus vários aspectos.

A capacidade de indignar-se diante das iniquidades (do Latim “iniquus”, que é “desigual”, “injusto”) é a grande distinção entre os que estão de um lado ou de outro das margens do longo rio das injustiças.

Retorno a Einstein, cuja capacidade de ver, de imaginar e de agir procurava integrar todos os aspectos da vida humana em sua jornada pela existência.  Eis alguns de seus pensamentos:

Qualquer um que não leve a verdade a sério em assuntos pequenos, também não pode ser confiado nos assuntos maiores.”

Poucos são capazes de dar bem claramente uma opinião diferente dos preconceitos de seu meio.  A maioria é mesmo incapaz de chegar a formular tais opiniões.”

Para ser um membro irrepreensível de uma comunidade de carneiros, é preciso, antes de tudo, ser também carneiro.”

A alienação, em qualquer de suas formas, termina por ser ao mesmo tempo uma doença escravizante e uma ferramenta de dominação, a depender de quem a sofre e de quem a promove.

Fruto basicamente das concepções e ações dos que vêem o Outro apenas como extensão de si mesmos, como se membros a serem utilizados, um dos maiores obstáculos a superar é a luta entre o individualismo excludente e a cooperação para a formação de um coerente e saudável corpo social.

O que é uma sociedade justa?

Não estou aqui tratando de leis, de normas ou de arcabouço legal; lembremos a propósito, que a escravidão já foi “legal”, já foi lei tanto no Brasil como em inúmeros outros lugares e épocas.

Não estou tratando daquilo que tantas vezes aqui denominei de “sistema de crenças”, o baú de conhecimentos ou preconceitos, reais ou imaginários, justos ou injustos, saudáveis ou neuróticos que cada um de nós alimenta como guia.

Não estou também tratando de uma possível (ou impossível) neutralidade ou imparcialidade de visão ou de opinião, o famigerado mito da neutralidade científica e seus engodos.

Há enormes diferenças de percepção e projeto para a sociedade como um todo, a depender da classe social a que estamos condenados.  Basta observar a hipocrisia das elites, que receitam aos demais precisamente aquilo que não seguem.  Por exemplo, os problemas crônicos da educação em nosso país (e agora mais acerbamente no estado paulista) não são “falhas”, são parte de um projeto, como bem o demonstra Mario Sergio Cortella (1954, brasileiro), filósofo e educador.  Lembrando-nos de Einstein, “é um milagre que a curiosidade sobreviva à educação formal.”

Já disse aqui, sem curiosidade e esforço não há conhecimento; sem conhecimento não há critério, sem critério não há escolha, sem escolha não há liberdade, não há cidadania.  O motor de tudo, a coragem.

Uma vez mais recordo Brecht, agora para melhor delimitar a fronteira entre a mentira e o engano, entre a intenção perversa e o equívoco, mormente em uma época em que tanto se fala em desenvolvimento, em sustentabilidade, em democracia, em educação, em honestidade, em transparência e em participação de e para todos.

Logo que Hitler elegeu-se na Alemanha, em 1933, Bertold Brecht (assim como Albert Einstein, Thomas Mann, Stefan Zweig e tantos outros) exilou-se e, em sua luta árdua contra os fascismos e sua expressão máxima, o nazismo, escreveu em 1934 um texto de clareza meridiana para ser divulgado na Alemanha hitlerista e na Europa.

Brecht deu-lhe o título de “Cinco Dificuldades no Escrever a Verdade”, cujo breve resumo diz:

Quem, nos dias de hoje, quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de superar ao menos cinco dificuldades.  Deve ter a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê‑la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá‑la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mãos será eficiente; deve ter a astúcia de divulgá‑la entre os escolhidos.  Estas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que fugiram ou se asilaram; e mesmo para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa.

Aqui escrevi (tão cientificamente quanto nestas condições me foi possível) sobre os elementos para a elaboração de um conjunto de valores a guiar nossas ações na direção de um mundo humano sustentável (sendo que este “humano” vai por conta da certeza de que a natureza no planeta Terra encontrará, como tem feito há 4,6 bilhões de anos, os seus próprios caminhos, independentemente à nossa presença ou mesmo apesar dela).

Em outras palavras, busquei aqui eleger uma ética (do grego “êthos”, que é “modo de ser”, “caráter”) para uma práxis (do grego “prâksis”, que é “o fato de agir”, “realização”, “prática”) saudável e consequente, um conjunto de valores e ações que poderá nos permitir reconhecermo-nos como humanos e como parte integrante de um todo planetário, a longa e pacientemente tecida teia da vida.

(continua)