Uma Síntese Necessária (3)

Artigo 42, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Nov 2009

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Avancemos a tecer uma síntese necessária.

Se o Homem é fruto do ambiente – que (por mutações ao acaso e seleção natural) condiciona e dirige sua evolução e, portanto, cria ao longo do tempo o patrimônio genético próprio que o define e que resulta em suas potencialidades e em sua expressão – , então talvez seja perfeitamente legítimo que a humanidade atue no sentido de adaptar o meio às suas necessidades (e não apenas adaptar-se a ele), guardados os limites irredutíveis da natureza naquilo que não podemos – e nem devemos – transformar.

Em uma perspectiva sustentável, não seriam apenas os limites físicos irredutíveis (ambientais) a serem observados: a ética é igualmente importante, no sentido do conjunto de valores que sejam considerados bons, isto é, que atendam às reais necessidades dos indivíduos e das coletividades.

Que ética é justo elegermos?

Neste sentido, se todos os conceitos e temas que aqui resumidamente abordamos não forem pelo menos eles levados em conta na elaboração destes valores e princípios maiores (a ética) – ou seja, se não levarmos em conta não só os indivíduos e as coletividades, mas também a espécie humana e as demais espécies, enfim, o conjunto planetário das interdependências e suas impermanências, que são a expressão última (atual e passada) da vida do planeta Terra – , então todo o nosso esforço terá sido inútil, pois seremos apenas joguetes do que há de pior em nossa condição humana: nossos primitivos instintos, os "baixos instintos", o gene egoísta, estúpido e ingênuo, expresso em seu reduto último na articulação e no arranjo sócio-político-econômico hoje hegemônicos, o capitalismo exacerbado e ainda irrefreável a não ser pelos limites de suas próprias contradições.

É necessário e urgente não apenas contrapô-lo; é imprescindível superá-lo.  Se não o fizermos, estaremos abrindo mão do que há de melhor em nossa condição de humanos – nossa consciência, nossa compaixão, nossa inventividade – , não apenas enfrentaremos um futuro próximo sombrio: simplesmente não teremos futuro algum.

No entanto, em nossa própria história e ainda em nosso presente, temos exemplos abundantes de que é possível alcançá-lo.  Bem longe de todas as indisposições imobilizantes diante das reais ou fantasiosas dificuldades, sabemos bem que não é necessário estarmos todos dispostos e mobilizados a esta superação: basta apenas, nutridos com as ferramentas adequadas às circunstâncias, o número suficiente de nós.  A História demonstra que o restante, como na Física, adere por gravidade, ainda que lhe resista.

A síntese de conhecimentos para a compreensão da realidade (ou antes das realidades) é parte indissociável de um processo pedagógico emancipador, que busca desvelar as conexões entre fatos aparentemente desconexos, busca encontrar novas relações.  A síntese caminha na direção da máxima amplitude e inclusão (não apenas, por exemplo, justiça social – equidade – mas o que é bom para os indivíduos, a sociedade, a espécie, o conjunto das espécies e suas gerações), pois se, ao contrário,

 pensarmos e agirmos de maneira cada vez mais restrita, estanque e excludente, no lugar da grande articulação social teremos, ao invés, uma nação a prevalecer sobre as demais (e talvez as substituir), uma classe a substituir uma nação, um grupo a substituir uma classe, um indivíduo a substituir um grupo e assim, no limite, como Luis XIV, o Rei-Sol, obtém-se “l’état c’est moi” (“o Estado sou eu”), a ruína geral.

As transformações ambientais em curso, de que o aquecimento global é apenas um aspecto, estão a nos trazer problemas gigantescos de que só teremos condição de dar conta civilizadamente se formos capazes de constituir uma nova ordem mundial; e é necessário compreender que  uma nova ordem social só se estrutura a partir de uma nova ética.  Um exemplo de exercício ético que se tornará em breve eloquente é o da água potável e sua mercantilização (ou o seu compartilhamento, por vezes mais frequente do que costumamos esperar).

Já um belo exemplo de construção ética planetária é o recente processo mundial de elaboração da Carta da Terra (2000), que compreende que “somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum”, que precisamos “formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros”, que “devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local”.

Exemplos contrários, porém, não nos faltam: na Argentina (mas poderia bem ser em qualquer outro lugar, como Honduras ou o Brasil, de qualquer continente – são mais de 200 países a escolher), há alguns meses, grandes fazendeiros não hesitaram em afrontar governo e sociedade bloqueando estradas, impedindo a circulação de cidadãos e alimentos essenciais, ateando fogo em grandes extensões de terra visando sufocar populações vizinhas (a fumaça, visível até por satélite, viajou longe, chegando à capital Buenos Aires e mesmo ao sul do Brasil).  Esta, uma das grandes fragilidades a que pode se expor uma nação: ficar à mercê dos interesses particulares de uma casta ínfima de grandes produtores ou de qualquer outro oligopólio (em Grego, “olígos” é “pequeno número”, “pouco”, enquanto que “poleo” é “negociar”, “vender”).

É preciso lembrar o que George Bernard Shaw nos dizia: “Sem compreender o capitalismo não podemos compreender a sociedade humana da maneira que ela realmente existe.”

Etérea como o ar (ou como um sonho), a ética, esta ética que aqui elegemos, se compartilhada por um número suficiente de nós, pode ser na verdade sólida como uma rocha, o chão firme de que necessitamos na caminhada.

A árvore da vida humana em sociedade traz os seus frutos, onde no mesmo cacho de direitos e benefícios há uma penca de deveres e responsabilidades – o mal-estar inescapável de que nos fala Freud, ao considerar nossa luta interna em que se defrontam nossos instintos primitivos e nossa natureza superior.  Esta ética, fruto desta consciência, se amplamente compartilhada, pode ser um grande instrumento até para a superação deste mal-estar.

(continua)