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Uma Síntese Necessária (4) Artigo 43, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Dez 2009 © 2005-2018 Fabio Ortiz Jr |
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Aprofundemo-nos a tecer uma síntese necessária. É recorrente a lembrança, mais ainda entre os filósofos e os poetas, de que nas épocas das grandes crises costumamos recorrer aos antigos gregos, na busca de conhecimento e inspiração. Talvez em um futuro não muito distante tenhamos que fazê-lo radicalmente, para reerguermos um novo mundo no lugar de nossa atual coleção de equívocos. Um bom procedimento inicial será verificarmos os vários significados da palavra “crise”. Indo às origens ditas como ocidentais, em Grego, “krísis” é “ação ou capacidade de distinguir” e, em Latim, “crísis” é “momento de decisão”; além disto, em Chinês, significa também “oportunidade”. Como sabemos, há muitos milênios vimos nos estabelecendo no planeta todo e afinal o superpovoamos, explorando-o agora à exaustão. No percurso, o homem “primitivo” caçador-coletor deixou de sê-lo, na tentativa de libertar-se da opressão da fome e das incertezas, tendo criado um novo homem que cultiva, pastoreia e afinal industrializa, nisso segmentando a terra, o trabalho e o conhecimento, criando assim alienação e alienando-se, tornando-se novamente oprimido e opressor, uma vítima de si mesmo. Os humanos pensantes passamos a vida buscando compreender a realidade para nela melhor nos situarmos. Busca-se hoje, desesperadamente, a conexão entre as ciências, a transdisciplinaridade, um rumo para a compreensão da totalidade. Nada é (apenas) o que parece, embora o poeta, dramaturgo e romancista Luigi Pirandello (1867-1936, italiano) nos tenha deixado uma divertida e profunda obra, como a afiada crítica “Assim é, se lhe parece”. Bem compreendiam os gregos que a realidade não é desconexa (provavelmente nunca o foi e nunca será). Praticavam com maestria uma arte, um método para a compreensão e o conhecimento, que denominavam dialética (“dialektikós”, em Grego, é “relativo a discussão”; “dialektké é “arte dialética”, “arte de discutir e usar argumentos lógicos”). Especulavam sobre a existência, as relações humanas, meditavam sobre a natureza do mundo físico, a constituição da matéria, imaginavam-na formada por partículas infinitamente minúsculas, chegaram à idéia de átomo há mais de 2 mil anos. Sabemos hoje sobre prótons, elétrons e nêutrons (e várias outras partículas) como constituintes dos átomos que compõem a matéria. Numa visão simples, prótons deveriam repelir-se mutuamente (o que impossibilitaria a matéria); no entanto, estão firmemente compactados em um núcleo. Elétrons deveriam repelir-se e despencar em direção ao núcleo; no entanto, vibram organizadamente em torno deste. Nas cores que enxergamos (o espectro visível) há aquelas que chamamos de complementares; duas cores complementares, ao serem sobrepostas, produzem a cor branca. Sabemos hoje que a cor branca é produzida quando uma superfície reflete (quase) completamente a luz recebida; a preta, quando a superfície absorve a luz (quase) totalmente (é por isto que objetos pretos esquentam mais). Algumas filosofias orientais antigas se valem de um conceito precioso, o Yin-Yang, o princípio da dualidade complementar (representado pelo círculo formado por símbolos em preto e branco) a compor um equilíbrio dinâmico de movimento e mutação, conhecido pelos praticantes de Yoga e acupuntura. A experiência e o conhecimento nos indicam que devemos nos precaver ao extremo em relação às afirmações que empregam termos como ‘tudo ou nada’, ‘sempre ou nunca’, ‘todo mundo e ninguém’. |
Diante das dificuldades, se distinguirmos apenas duas opções, “ou isto ou aquilo”, frequentemente estaremos equivocados em nossa visão e em nossa ação. A natureza é dialética, como bem compreendeu o filósofo Friedrich Engels (1820-1895, alemão), arguto analista social, que tratou disto na obra “Dialética da Natureza”. Antes dele, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831, alemão), também filósofo, já afirmava que “o verdadeiro é o todo”, cada aspecto particular da realidade remete à totalidade, ao todo, e só pode ser compreendido e explicado em relação ou em função do todo, sendo que “as tragédias verdadeiras no mundo não são conflitos entre o certo e o errado; são conflitos entre dois direitos.” José Sérgio Fonseca de Carvalho, da USP, nós dá um exemplo de totalidade: “Ser ‘infinito’ é uma propriedade do conjunto de números naturais [0, 1, 2, 3 ...] que não está presente em nenhum de seus elementos individualmente considerados.” As partes que aparentemente se opõem, na verdade compõem uma totalidade em movimento e mudança constante, parecem uma contradição incessante em todos os fenômenos do mundo real e também, por consequência, em todos os pensamentos e ações humanos. Milton Nascimento e Fernando Brandt, músicos e poetas, luminosamente cantam, em “Encontros e Despedidas”:
“... Tem gente a sorrir e a chorar A hipótese fundamental da dialética é de que não existe nada eterno, fixo, pois tudo está em perene transformação, está sujeito ao contexto histórico. Poetas e músicos, Lulu Santos e Nelson Motta brilham na canção e poema “Como Uma Onda”: “Nada
do que foi será A realidade, dialética, é constituída como oposição de contrários, é um processo; regida e movida pela contradição, é internamente relacionada, seus aspectos estão em permanente interdependência. Percebemos com frequência que um ciclo se completa e que aparentemente retornamos ao início; porém, ao refletirmos, compreendemos que alcançamos um novo nível, percorremos a espiral dos processos e do conhecimento, o fim que é também começo. Nos artigos Espaço e Ambiente (Jul-Ago 2006) há um exemplo dialético: a jornada em que não estamos sós, mas que é única e individual. É assim que, em função da mudança de circunstâncias e então da mudança de consciência, é possível, no dizer de minha amiga Ana Maria Medeiros da Fonseca (historiadora, pesquisadora do NEPP da Unicamp e criadora do exitoso Programa Bolsa Família), “cometermos melhores erros”. (continua) |
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