Uma Síntese Necessária (5)

Artigo 44, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Jan 2010

© 2005-2018 Fabio Ortiz Jr

 

Finalizemos esta síntese, afinal duodécimo capítulo e último.

Era uma vez, o Homem... um dos inúmeros frutos na longuíssima evolução do terceiro planeta de uma estrela mediana, um sol amarelo, classe G2.

O trabalho é, antropologicamente, a atividade pela qual o Homem supostamente domina as forças naturais (penso que mais sensata seria a idéia – e a prática – de ‘surfá-las’), recria a si mesmo e, assim, ao tudo segmentar e mercantilizar, torna-se seu próprio e principal algoz.

Deve isto aos conceitos e práticas subvertidos quanto à divisão do trabalho (necessária), à propriedade privada (possível, sob condições) e à exploração da força de trabalho pelo capital (intolerável), afetando ao final, dialeticamente, a todos, sem exceção (em que pesem as diferenças de benesses e de conforto).  Hoje a humanidade é uma só e o planeta sempre o foi, desde sua consolidação: a atmosfera é para todos, assim como os mares e a teia da vida.  O mundo todo mora rio abaixo, todos sofrem as consequências.

Perceber isto é começar uma jornada  de compreensão da realidade, da impermanência, da interdependência e da necessidade imperiosa de cooperação em seu sentido mais dialético.

No processo de seu desenvolvimento, ao tentar o Homem interpretar a realidade para nela melhor sobreviver, muitas visões de mundo surgiram em indivíduos e em coletividades, desdobrando-se daí culturas diversas e embates sem fim.

Afastando quaisquer interpretações maliciosas, dado o desgaste que foi impingido ao termo, sabemos em Filosofia que ideologia é visão de mundo (em Grego, “ideo” é “idéia”, “modo de ser” e “logo” é “ciência”, “estudo”), é a idéia que fazemos dele.

Lançar luzes sobre a construção dessa visão é tarefa árdua, trabalho inesgotável para a ciência e a educação.

Fazer ciência é procurar retirar do olhar o véu da ignorância, do desconhecimento e do preconceito, muitas vezes combater o preguiçoso e depressivo descompromisso para com uma vida saudável, seja do indivíduo, da sociedade ou mesmo da espécie, expresso hoje de modo alarmantemente popular no arrogante “eu acho que” ou mesmo no irresponsável “eu mexo com”, síndromes de uma incompetência que se orgulha de seu desconhecimento (a palavra “síndrome” vem do Grego “sundromé”, que é “ação de se reunir tumultuosamente”).  Opinião é um direito, mas não necessariamente é conhecimento, só “acha” quem perdido está; só “mexe com” quem não reconhece em si competência suficiente para afirmar-se um ‘profissional’.

Vimos aqui em vários artigos (Espaço e Ambiente, Sustentabilidade e Cidadania, Cidadania e Democracia, Conclusões: O Olhar, Conclusões: O Transcender) que fazer ciência está ao alcance de (quase) todos nós; “como sugere Hubble, fazer Ciência é antes buscar ver a realidade e compreendê-la, para o bem geral.  Com paciência, dedicação, talento e mente aberta, está ao alcance de quase todos nós”.

Já a educação constitui a única ferramenta humana de mudança (o outro modo decorre da pressão ambiental), isto desde que seja proativa (que se antecipa aos problemas) e não apenas reativa (passiva, que meramente sofre e reage aos acontecimentos), isto desde que seja emancipadora e não apenas um instrumento de perpetuação de dominação social.

Em um texto a que chamou de  Verdades da Profissão de Professor, Paulo Freire aponta:

Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível.  Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores.  Isso nos

mostra o reconhecimento de que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados.  Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho.  ... Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.”

Nunca deixo de me lembrar que tive a sorte e a felicidade de estudar em escolas públicas, numa época dramática que misturou “anos dourados” com “anos de chumbo”.  Os professores eram, em geral, respeitados, embora alguns fossem antes temidos; por sua competência e desprendimento, muitos eram queridos, e alguns, por conscientemente nos prepararem para a vida e a liberdade responsável, eram amados.  A educação e a cultura eram valorizadas e, no ideário da população, a família era o valor mais alto e o núcleo confiável de referência; logo a seguir, e como que integrantes da família, vinham os professores.  O lema de minha escola, um tanto positivista e desde cedo cultivado, era o mesmo da bandeira do estado paulista:  “Non ducor, duco” (em Latim, “Conduzo, não sou conduzido”).

O conjunto das tarefas que nos defrontam é complexo e difícil, mas superá-lo é possível e, sobretudo, necessário.

Ao longo deste século XXI, o enfrentamento destas mudanças demandará empregarmos todo o nosso conhecimento, sim, e mais, o atual e o futuro; demandará tecnologia, sim, mas demandará (e provocará) sobretudo mudanças na maneira como vemos a nós mesmos, na maneira como nos apropriamos dos espaços, como desenvolvemos nossas relações pessoais e sociais, nosso conceito de propriedade e nosso modo de produção.

Olgária Chain Féres Matos, professora da Faculdade de Filosofia da USP, assim alerta:

Metáfora rigorosa para a educação, da escola maternal à universidade, o conhecimento, como escreveu Freud, é uma das tarefas mais nobres da humanidade no longo processo de sua humanização.”

Com este artigo, chegamos ao fim desta jornada de reflexões...  Dialeticamente, o fim é um novo começo.

Sinto-me agradecido pela imensa paciência e perseverança dos que me fizeram companhia até aqui neste esforço coletivo.  Um antigo provérbio chinês lembra que “quando um rei morre, o povo diz ‘ele fez isto e aquilo...’; porém, quando um grande rei morre, diz ‘nós fizemos tudo’.

Já uma antiga sabedoria africana ensina:

Se quiser ir rápido, vá sozinho; se quiser ir longe, vá em grupo”.  Bem, é chegada a hora de irmos rápido, bem rapidamente; e em grupo.

Nunca será demais lembrar Paulo Freire:

Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, todos nos educamos em comunhão.”

Entre nossos melhores escritores, José Bento Monteiro Lobato (1882-1948, brasileiro), certamente o melhor escritor infantil, editor, advogado, empreendedor, um dos ícones em nossa luta pelo petróleo brasileiro e grande amigo de Anísio Teixeira (1900-1971, brasileiro, um dos líderes da renovação do sistema educacional brasileiro no início do século XX), assim celebra em sua obra “O Poço do Visconde”:

"... o sorriso que tenho nos lábios é um sorriso geológico – o sorriso de quem sabe, olha, vê e compreende."

O conhecimento... bem, mas isto é já uma outra história que fica para uma outra vez...  E assim, para relembrar Julio Gouveia e Tatiana Belinky, entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra.