Sustentabilidade e Cidadania (1)

Artigo 27, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Ago 2008

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Capítulo Oito: passemos então à reflexão sobre a relação entre Sustentabilidade e Cidadania.

O verbo “sustentar” é pródigo em significados.

Em nossa língua-mãe, o Latim, “sustentare” pode ser entendido como “suportar; defender; manter; vir em socorro; alimentar; resistir a”.

Já em Português ele nos remete a pelo menos 22 significados distintos, acrescentando-se “suster; manter o equilíbrio; conservar; prover; dar continuidade a” e outros mais.

Daí surgem o adjetivo “sustentável” (o que pode ser sustentado) e o substantivo “sustentabilidade” (característica do que é sustentável).

Pergunte a dez pessoas, empresas, ongs ou autoridades o que entendem por sustentabilidade, o que querem dizer ao empregar o termo “sustentável”.  Talvez você se surpreenda.

Lev S. Vygotsky (1896-1934, russo), psicólogo, pedagogo, formado em Direito, um dos mais importantes pensadores modernos da Educação, para aqui falar o mínimo, dizia:

A estrutura da língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o universo...

Uma palavra que não representa uma idéia é uma coisa morta, da mesma forma que uma idéia não incorporada em palavras não passa de uma sombra.”

Nos artigos anteriores procurei conceituar o que entendo por sustentável e aqui, para que não reste dúvida, reafirmo o entendimento de que sustentabilidade é uma qualidade atribuível a processos da natureza, o que inclui todas as atividades humanas.

Assim, dou a ela o significado de condição da ação ou processo que garante e fornece ao longo do tempo os meios necessários à realização e continuação da vida, seja a nossa enquanto indivíduos ou comunidades, seja mesmo como espécie, o que inclui, necessariamente, as demais espécies.

O leitor atento que acompanha estes artigos desde o início de 2006 sabe que, como geólogo, tenho percepção do tempo diversa do senso comum.  Logo, aquele “ao longo do tempo” acima pode significar muito tempo (v. A Percepção do Tempo, Mar 2006).

Desta forma, uma pergunta pertinente ao falarmos de sustentabilidade é: do que estamos falando; e por quanto tempo?  O mundo, a natureza, estão em permanente mutação!

Karl H. Marx (1818-1883, alemão), filósofo, um dos maiores economistas e um dos fundadores da Sociologia (o estudo das relações sociais), resumiu isto numa frase célebre:

Tudo que é sólido se desmancha no ar.”

O oportunismo dos acumuladores de sempre (v. Desenvolvimento e Sustentabilidade, Jun 2008) emprega e empregará a palavra “sustentável” para

manter o seu sistema de acumulação doentia, tudo em nome do seu “direito” e de sua “liberdade”.

Atrofiados no desenvolvimento de sua alteridade (v. Espaço e Ambiente, Jul 2006), invadem e barbarizam o direito e a liberdade de todos, o que inclui a sua própria.

Imensa e longínqua é a luta humana para superar os traumas de sua infância (v. Desenvolvimento e Sustentabilidade, Jul 2008).  Reinos e impérios foram criados e, com o tempo, dissolvidos.

Em tempos recentes (lembrem-se, sou geólogo) tivemos três dentre os melhores exemplos do esforço de superação humano: a Revolução Americana (1776), a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Russa (1917).

Dali emergiram as liberdades e os direitos fundamentais do homem moderno, um passo adiante desde os Dez Mandamentos hebreus, a democracia grega ou a Magna Carta inglesa de 1215, ainda que em grande medida sob o prisma dos acumuladores.

O fim da servidão feudal, a independência, a abolição da escravatura, os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade, a democracia ampla (embora adjetivada), a constitucionalidade, passaram pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional da França, evoluíram e estão hoje sintetizados na Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em dezembro de 1948.

O termo cidadão, surgido na Grécia antiga para designar os que viviam então em cidades, evoluiu para significar uma nova condição humana para quem vive em comunidade e exerce seus direitos.

Modernamente, o termo cidadania representa a qualidade de cidadão, a condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política, econômica, social.

Entretanto, aquelas iniciativas transformadoras dos exemplos acima não lograram sustentar-se e, em mais ou menos tempo, tornaram-se até mesmo a negação destes princípios.  Nelas o ciclo virtuoso não alcançou sustentabilidade, o ciclo vicioso foi temporariamente quebrado em apenas um único ponto (v. Desenvolvimento e Sustentabilidade, Jul 2008).

Há um belo pensamento ao que parece erroneamente atribuído a Noel Clarasó (1905-1985, escritor espanhol-catalão), pois há uma referência anterior a Napoleão I (o Bonaparte tornado imperador), ironicamente um dos frustradores da Revolução Francesa:

"É injusto que uma geração seja comprometida pela precedente.  Há que se encontrar um meio que preserve as vindouras da mesquinhez ou inépcia das presentes."

Parafraseando Marx, é preciso superarmos as ilusões para que alcancemos uma condição que não precise de ilusões.

No próximo artigo complementaremos esta reflexão.