Sustentabilidade e Cidadania (2)

Artigo 28, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Set 2008

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Capítulo Oito: então para concluir esta reflexão sobre Sustentabilidade e Cidadania.

A sucessão de gerações não se dá como numa eleição livre, onde periodicamente podemos tudo zerar e substituir os ocupantes.  Ela se desenrola ao longo de muito tempo humano, com 3 ou 4 gerações convivendo no mesmo espaço e ao mesmo tempo.

Assim, os sistemas de crenças têm a oportunidade de se perpetuar, pois tanto os acumuladores como os que a eles se opõem podem se reproduzir.

Seguindo a natureza, as mudanças parecem ser milimétricas, caramujas.  Na verdade, são quânticas, pois acumulam lentamente suas forças e então lançam-se num salto súbito, como nos exemplos do artigo anterior.  Estes são os momentos que os acumuladores não conseguem evitar; mas deles procurarão imediatamente se apropriar.

São muitos os truques e logros engenhados pelos acumuladores com o intuito de ludibriar uma transformação positiva, uma evolução nas relações sociais.

Não encontramos mais o “dono da empresa”: Fulano, Beltrana e Cicrano, nas imensas máquinas de geração de riqueza atuais, tornaram-se impessoais, são acionistas sem nome ou endereço identificáveis.  Mal reconhecemos seus prepostos, profissionais que se prestam a representá-los mediante a grande oportunidade de “tirar o seu”.

O dinheiro, a moeda, uma inteligentíssima e muito útil invenção, caminhou para a sua extrema virtualidade: não há mais a ovelha, o saco de cereais, o ouro, a lastrear as trocas.  Impalpável como os acionistas, o capitalismo, com o requinte de suas múltiplas e intangíveis virtualidades, reconverte-se incansavelmente num imenso e global cassino de “mercados” e “futuros”.

Cria-se uma crise instantânea em um país com o simples apertar de um botão.  Sob sua ótica, “a roda tem que girar”, não importa o que nos custe.

Sem dúvida, porém, o maior ardil estabelecido consiste em tomar todas as nossas energias, todo nosso tempo, numa perene e angustiante luta pela sobrevivência, numa moderníssima escravatura.

Desta forma somos alienados daquilo que, no profundo saber de Wilhelm Reich (1897-1957, austríaco), um dos grandes cientistas de nossa psicologia, constitui os fundamentos da vida humana: amor, trabalho e conhecimento.  Sem eles, os traumas não são superados; sem esta superação, as neuroses prosperam e, onde estas prosperam, a loucura se estabelece.  É muito fácil explorar os desesperados.

Precisamos parar de nos debater; precisamos lutar.  Não há como adiar a nossa existência, precisamos saber distinguir entre ser ou estar.

Na exaltação sofisticada do supérfluo, o mundo dos valores humanos parece estar de cabeça para baixo:

malgrado os esforços dos que ainda resistem, nas universidades e nos institutos não (ou pouco) se faz ciência, mas sim produz-se papers para publicação e autopromoção; não se desenvolve educação, mas sim treina-se.  Nas fábricas não se produzem bens úteis e duráveis, mas artigos de consumo.  Nos campos não se produz alimento, mas commodities (um jeito “moderno” de se designar ‘produto padronizado e de alta escala voltado principalmente à exportação’).

A tecnologia submete a ciência e promete resolver todos os problemas, mesmo nossa profunda crise civilizatória e agora a ambiental, como se fosse possível crer que a mesma lógica que produziu a crise pudesse agora magicamente resolvê-la.

No dizer de Aldous Huxley (1894-1963, inglês), cientista, jornalista e escritor (em O Macaco e a Essência, 1947), numa amarga reflexão logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e ainda sob o impacto das explosões atômicas sobre cidades indefesas, “os macacos escolhem os fins; só os meios são do homem...”.

Tudo foi tornado mercadoria, tudo é comércio (v. Ambientalismo e Desenvolvimento, Abr 2008).  Na metáfora, a Companhia das Índias venceu, Jack Sparrow está no limbo.

Faz parte essencial dos truques dos acumuladores acenar à população com a possibilidade de todos terem, à sua semelhança, um alto poder de consumo.  E assim, ao consumir, somos consumidos, pois “a roda tem que girar” (um assunto para muitos artigos).

Mas no fundo sabemos (e todos precisam saber) que o que necessitamos em realidade é de alimentação saudável e boa medicina, não de “planos de saúde”.  Necessitamos de transporte digno, não de “carrão do ano”.  Necessitamos de roupas adequadas, espaços públicos de lazer, de viajar e conhecer, não de “shopping”.  Necessitamos de comunicação, não de “celulares, ipods” e o escambau.  Necessitamos de educação para a vida, não de “competitividade e treino para o sucesso”.  Necessitamos de identidade e laços sociais, não de “vencedores”.  Isto é exercício de sustentabilidade e cidadania.

Os déspotas, sejam reis ou não, costumam matar os mensageiros portadores das más notícias.  Entretanto, Benjamin Franklin (1706-1790, estadunidense), cientista, físico, editor, escritor, músico, filósofo, político, estadista e um dos principais partícipes da Revolução Americana, sabedor de que no fundo estamos todos no mesmo barco, já alertava em um sagaz pensamento: "o sábio consegue mais vantagens para seus inimigos do que o néscio por seus amigos."

Como vimos nos artigos anteriores (v. Educação e Ambientalismo, Jan/Mar 2008), sem curiosidade e esforço não há conhecimento; sem conhecimento não há critério, sem critério não há escolha, sem escolha não há liberdade, não há cidadania.  O motor de tudo, a coragem.

Nos próximos artigos, para aquecer de vez, abordaremos a relação entre cidadania e democracia.