A Percepção do Tempo (1)

Artigo 6, publicado no Correio da Serra, Santo Antonio do Pinhal, SP, edição de Mar 2006

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Capítulo Um:  Tempo, é preciso falar sobre ele.

Eu tinha penso que 10 anos de idade e vi certa vez minha avó debruçada na janela, a observar as pessoas, como era seu costume após o almoço (o Bom Retiro, em São Paulo, àquela época era um bairro vivo, como meus avós).  Cumprimentava algumas, proseava com outras.

Certa hora virou-se para meu avô e disse “Conversei com Fulano...”, ao que ele respondeu, esparramando o tempo em suas palavras: “Esta é uma amizade de já 10 anos!...

O tempo passou, tudo e todos se transformaram, mas esta imagem permaneceu.  Lembrei-me dela algumas vezes, a primeira quando pude finalmente dizer a mim mesmo “Beltrano e eu somos amigos há 10 anos...”, o que repeti quando a amizade completou 20 anos e mais ainda.

Quando ouvi a frase de meu avô, não a alcancei, nem poderia.  Como compreendê-la, se eu tinha 10 anos, este era então todo o tempo de minha existência?  No entanto, algo em minha mente a registrou e fez com que me acompanhasse.

Meus caminhos de vida levaram-me a estudar Geociências, as ciências da Terra, que articulam um leque muito vasto e profundo de ciências, de consciências e de conhecimentos, assuntos demais para uma só pessoa e uma só vida.  Porém, de um fascínio e necessidade irresistíveis.

Um dos primeiros desafios com que um candidato a geocientista se depara é o da percepção do tempo (ou não, conheço geólogos que não o conseguem).

Quase todo mundo lida muito bem com as noções de agora, de hoje, de ontem ou amanhã, um período de tempo muito curto.  A coisa ainda vai bem quando tratamos da semana passada ou da semana-que-vem e talvez funcione quando consideramos o mês passado ou o mês-que-vem.  Mas a partir daí, em direção aos anos, esta percepção começa a ficar embaçada, mais e mais difusa nesse mergulho temporal.

É o tal do senso comum:  tendemos a fazer comparações com o que conhecemos, com o que já experimentamos (por exemplo, nosso período de vida), quase sem crítica, sem distanciamento. Ele pode ser satisfatório para alguns aspectos do cotidiano, mas é insuficiente para a compreensão do que realmente se passa.

Tomemos o que chamarei de tempo humano.

Ele pode ser avaliado em décadas, aqueles 10 anos de que falei.  Com sorte, viveremos várias delas.  A expectativa de vida de nós brasileiros já foi de 4 décadas; hoje está em torno de 70 anos, a depender da genética, do acaso e da condição social.  Não será muito difícil à nossa compreensão abarcar esta extensão de tempo e nela perceber a nossa própria existência e a de nossos semelhantes.

Tomemos agora o chamado tempo histórico.

Deste ponto de vista costumamos observar os processos sociais, as transformações econômicas e culturais de povos e nações, medindo o tempo em séculos (um século tem 10 décadas, 100 anos): o Brasil foi “descoberto” no último ano do século15 (1500), a Revolução Francesa deu-se no final do século 18 (1789), estamos no início do século 21 da Era Cristã.

Com raríssimas exceções, ninguém vive por tempo histórico.  Mas ainda assim, com algum esforço e treino, podemos chegar a esta percepção temporal, onde compreendemos nosso grupo social relacionando-se com outros grupos sociais.  Usamos espelhos chamados História ou Ciências Sociais para nos olhar.

Avancemos para o tempo antropológico (em Grego, “anthropo” significa “ser humano”), medido em milhares de anos (um milênio são 100 décadas ou 10 séculos).

É o tempo do desenvolvimento da Humanidade como a conhecemos, a nossa espécie, o Homo sapiens.  Tanto quanto sabemos hoje, isto nos leva a perceber os últimos 150 mil anos até o presente:  há 2 mil anos nascia Jesus de Nazaré; há 5 mil anos inventávamos a escrita, a geometria, as pirâmides; há 10 mil anos, a agricultura e as cidades.  E descobrimos que até 25 mil anos atrás convivíamos com outras espécies de homens, como o H. neanderthalensis e o H. erectus.

Isto nos leva a, lá no limite destes 150 mil anos, nos reunirmos com estas outras espécies em torno de uma espécie ancestral de nossa família.  Percebemo-nos aqui como apenas mais uma dentre as inúmeras espécies que se relacionam ocupando a mesma Terra, ainda que em tempos diferentes.  Aqui usamos espelhos chamados Antropologia ou Arqueologia e, no limite, um outro, visto a seguir.

Saltemos aqui para o que chamo de tempo paleontológico (“paleo” quer dizer “antigo”), para considerar então toda a vida que já existiu no planeta.

A escala de tempo é muito, muito diferente e o senso comum é inútil:  conta-se o tempo em milhões de anos (um milhão de anos são mil milênios).

Por exemplo, seguindo o rastro de nossa família de humanidades, os hominídeos todos vamos nos encontrar reunidos há 7 milhões de anos atrás ou mais, junto a nossos primos distantes, também primatas.

Mergulhando no tempo profundo, descobrimos com espanto que mais de 99% das espécies (quaisquer espécies) que já existiram sobre a Terra já não existem mais, estão extintas.  Espécies dão origem a outras espécies.  O espelho que usamos para buscar a nós mesmos e às outras espécies no tempo é a Paleontologia, que tem seus olhos focados nos últimos 600 milhões de anos.

Tudo isto se passa sobre o planeta Terra, o que nos leva a saltar enfim para o tempo geológico (“geo”, em Grego, é “terra”).

São bilhões de anos a considerar (um bilhão são mil milhões), mais precisamente 4,57 bilhões de anos (as primeiras evidências de vida datam de 3,8 B.a.) desde a consolidação de nosso felizmente inquieto planeta, nossa casa.

Mas há ainda outros tempos, como o tempo cósmico (o universo) e o tempo psicológico (a maneira como nos apercebemos do tempo).

Voltaremos a eles para completar este primeiro capítulo no próximo mês ou edição, daqui a 30 dias.  Será uma grande ou uma pequena espera?  Escolham seu tempo.